O surgimento do personagem conhecido como Miles Morales foi um dos marcos do quadrinho, tendo sido ele também um dos mais populares personagens legado lançado nos últimos quinze anos. Surgido no Universo Ultimate da Marvel, Miles se torna Homem-Aranha após o falecimento do Peter Parker daquele universo. Com o passar dos anos, Miles ganhou mais aventuras como o herói e fez a passagem para o Universo 616 (o universo principal dos quadrinhos) além de diversas aparições através de desenhos animados e até mesmo jogos. Em 2018 Miles Morales foi protagonista da animação do estúdio SONY, Homem-Aranha: No Aranhaverso (Spider-Man: Into the Spider-Verse) – dirigido por Peter Ramsey, Bob Persichetti e Rodney Rothman. Sendo tão aclamado, pelo público e pela crítica, que até a Academia lhe concedeu o Oscar de Melhor Animação mesmo após anos seguidos premiando sempre a Disney. Este filme ganhou em 2023 uma sequência, Homem-Aranha Através do Aranhaverso (Spider-Man: Across the Spider-Verse), dirigido por Joaquim Dos Santos, Kemp Powers e Justin K. Thompson.
Algum tempo após a sua aventura com outras pessoas-Aranha, onde evitou a explosão do colisor de matéria escura que seria responsável pelo fim de todos os universos, Miles tem atuado como Homem-Aranha na cidade de Nova Iorque. É bem estabelecido ao começo do filme o costume de Miles enfrentar vilões classe C (os cara maus da semana), esconder sua identidade dos seus pais – Jefferson Davis e Rio Morales – e sentir falta de pessoas com as mesmas vivências que ele – os outros Aranha. O grande problema para Miles nesse filme é, antes de qualquer confusão multiversal, ter de lidar com o seu segredo e como isso afeta sua família. Descobrir o que ele quer fazer é a missão e a jornada do nosso protagonista em um mundo onde por todos os lados o dizem o que fazer, quem ele deve ser. A relação de Miles (voz original de Shameik Moore) com a sua mãe, Rio (voz original de Lauren Vélez) são tanto o conflito quanto a resposta e isso é bem desenvolvido ao longo do filme. Aspirações para a vida e encontrar o seu lugar, um canto onde pertence, decidir por si mesmo o seu rumo são as partes importantes para o enredo do jovem Miles.
Em meio a narrativas bem desenvolvidas e personagens muito mais do que cativantes, Homem-Aranha: Através do Aranhaverso traz estilos únicos de animação. Se o filme de 2018 já explorava novas técnicas e foi extremamente aclamado por isso, nesta sequência temos verdadeiros universos diferentes de animação e quadrinhos se encontrando e trabalhando em harmonia. O visual do filme foge a regra do que foi visto antes de grandes estúdios, com um enorme time de animadores por trás do trabalho que levou muito tempo e esforço para atingir a finalização. Em sua natureza, o filme não brilha apenas como uma ótima animação, mas em total como um grandioso filme. Sua trilha sonora, seus enredos, as vozes originais, os traços, há uma total harmonia para ter feito Homem-Aranha: Através do Aranhaverso um dos grandes sucessos entre público e crítica em 2023.
Se por um lado temos Miles como protagonista, do outro temos a personagem da voz original de Hailee Steinfeld, Gwen Stacy, conhecida em seu universo como a Mulher-Aranha (Spider-Gwen no original). Culpada pela morte do seu melhor amigo, Peter Parker, que era o Lagarto no seu universo, ela se isola das pessoas não tendo criado laço nenhum depois do incidente – exceto seus colegas no primeiro filme, incluindo Miles. É do seu ponto de vista que nós começamos o filme, descobrimos não apenas sobre pessoas de outras dimensões aparecendo na dimensão errada como também descobrimos sobre a Sociedade de Pessoas-Aranha. Miguel O’Hara (Oscar Isaac) e Jessica Drew (Issa Rae) são a porta de entrada para essa nova aventura, mas o empurrão que Gwen recebe é quando o seu pai descobre a sua identidade como Mulher-Aranha. O Capitão Stacy (Shea Whigham) estava caçando a Mulher-Aranha e ao descobrir a identidade dela, não muda sua meta e, em uma cena incrivelmente pesada onde ele aponta a arma para a própria filha, é seguida de Gwen partindo para auxiliar Jessica e Miguel.
Para os fãs da mitologia do Homem-Aranha, muito além de sua galeria de vilões, esse filme é uma obra capaz de criar algo novo enquanto honra um longo legado de quadrinhos, jogos e animações. Os nossos protagonistas – Gwen e Miles – têm histórias complexas e uma jornada sobre aceitação por um lado e por outro sobre entender que não podemos ser apenas o que esperam ou nos dizem para ser. No final o filme fala muito sobre identidade, nem sempre tão explicitamente quanto a identidade secreta dos heróis aranha do filme, mas sobre quem eles escolhem e aceitam ser. O longa capta bem sua própria mensagem e é capaz de trabalhar com um grande escopo de personagens sem perder seu foco ou a linha da história. É interessante em particular para mim ver o Peter Parker (voz original de Josh Keaton), da animação O Espetacular Homem-Aranha (The Spectacular Spider-Man, 2008 – 2009), assim como referências às três franquias live action. Como disse, o longa trabalha muito bem a história dos mitos do Homem-Aranha como um todo e o apego e conhecimento do público sobre tal.
Instigar e cativar, é isso que a animação é capaz de fazer ao longo de sua duração. Não apenas atraindo atenção para a história, suas nuances, seus personagens, mas fazendo-nos observar cada detalhe e tentar capturar cada referência ao vasto universo de Homens-Aranhas estabelecidos através das décadas. Honestamente, posso ser uma pessoa suspeita para falar, mas a forma como a história traz tanto Miles quanto Gwen como protagonistas é um alívio, após anos e mais anos da história de Peter Parker sendo adaptada e readaptada. Não apenas o filme Homem-Aranha: Através do Aranhaverso sabe aproveitar bem os conceitos e a mitologia do personagem para além de seus vilões e os mesmos arcos, essa franquia toda é capaz de fazer excelente uso do seu material de referência. Para além de beber dos quadrinhos, o longa explora diferentes referências a múltiplos estilos de animação criando algo verdadeiramente original.
Fazendo juz aos quadrinhos, o filme alcança o seu ápice no começo do seu terceiro ato e a pegadinha é que o final dessa história só será visto em sua continuação confirmada e sem data certa Homem Aranha: Além do Aranhaverso (Spider-Man: Beyond the Spider-Verse). O longa lançado em 2023 já está disponível em locadoras digitais populares.
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Cineasta graduade em Cinema e Audiovisual, produtore do coletivo artístico independente Vesic Pis.
Não-binarie, fã de super heróis, de artistas trans, não-bináries e de ver essas pessoas conquistando cada vez mais o espaço. Pisciano com a meta de fazer alguma diferença no mundo.