A Morte do Demônio: A Ascensão – Uma noite intensa, mas não tão alucinante

A história dessa amada franquia começa em 1978 quando Sam Raimi e Bruce Campbell gravaram o curta Within the Woods. O curta serviria para a dupla conseguir fundos para realizar um projeto ainda mais grandioso. Como uma espécie de versão extendida/remake de ‘Within The Woods’ nasceu A Morte do Demônio (The Evil Dead, 1981): Um longa sobre um grupo de amigos indo para uma cabana no meio do nada passar um fim de semana. Lá encontram um livro encadernado em pele humana e escrito com sangue humano que desperta forças malignas e vai possuindo e matando cada um deles. 

De início o filme não foi bem recebido, apenas depois de uma crítica positiva do aclamado escritor Stephen King que os olhos do mundo se voltaram para aquele trabalho independente com tanto potencial. Conseguindo uma boa distribuição nos cinemas ao redor do mundo, o longa impressionou pela qualidade atingida mesmo com uma produção precária, pelo uso muito sagaz de efeitos práticos e pelo brilhantismo na direção de Sam Raimi. Se estabelecendo não só como um clássico do gore e do trash, como moldando o que seria feito no horror como um todo, especialmente em produções de baixo orçamento. Durante suas quatro décadas, a franquia trabalhou com diversos tipos de mídia, lançando com duas sequências, um jogo de videogame, um remake e uma série. Foram lançamentos bastante pontuais, com longos espaços de espera, mas com uma entrega de grande qualidade. 

Em 2023, dez anos após o remake dirigido por Fede Álvarez, o Livro dos Mortos volta para as telonas para atormentar a vida das irmãs Beth e Lily e sua família. Em A Morte do Demônio: A Ascensão (Evil Dead Rise, 2023) os absurdos da mitologia de ED são levados para a cidade, trocando a cabana isolada por um condomínio em ruínas que será demolido em breve. Porém, adianto que o filme não foge às raízes e nos entrega uma sequência de abertura de arrepiar em uma cabana (muito mais luxuosa que as de 1981 e 2013, diga-se de passagem) no meio do nada. 

Lee Cronin, que em 2013 dirigiu Ghost Train, é responsável pela direção e roteiro de A Morte do Demônio: A Ascensão. Enquanto em um de seus papéis ele entrega o ponto mais forte do filme, no outro ele deixa a desejar um pouco. Tudo que ele traz à mesa como diretor é excelente, o filme está recheado de momentos marcantes como um uso bastante inconvencional de um ralador e um monstro tão absurdo que poderia ter saído de um livro do Stephen King, mas falta aquele espírito de rebeldia que fez do original de 81 e do remake de 2013 tão marcantes. Sua direção é assertiva no drama, no horror e no gore, mas falha em trazer a loucura extrema que é marca da franquia. A Morte do Demônio: A Ascensão é possivelmente um dos filmes de melhor qualidade técnica na franquia, mas se leva a sério demais e só o tempo dirá se vai ser tão memorável quanto seus colegas. 

Em contrapartida, seu roteiro é maduro, com uma carga emocional muito bem dosada. Os personagens são escritos com uma maturidade até então nova para a franquia, isso faz com que tenhamos apego por aquela família tão desestabilizada, mas muito amorosa, e torna mais doloroso ver os absurdos que eles irão vivenciar. O roteiro toca sutilmente em pontos como porte de armas, gentrificação e aborda mais explicitamente os laços familiares, trazendo como tema central a maternidade. Além de reinventar alguns elementos clássicos como a icônica motosserra que é utilizada por um deadite em uma cena absurdamente perturbadora. Outra modificação muito importante para a franquia é o momento em que Ellie é tomada pelos demônios do Livro dos Mortos. A Morte do Demônio: A Ascensão remonta a cena primeiramente protagonizada por Linda em 1981 e décadas depois por Mia (2013) e além de trocar a floresta por um elevador e os galhos por fios de condução eletrica, felizmente desta vez não há violência sexual contra a mulher em cena, alteração essa que já deveria ter sido feita em 2013, mas não foi. Essa mudança gera um desconforto genuíno por conta da possessão em si e não por uma violência tão gratuita, desnecessária e problemática.  

A trilha sonora é de Stephen McKeon, que trabalhou anteriormente no episódio “Fifteen Million Merits” da primeira temporada de Black Mirror (2011 -) (Episódio que deu grande projeção ao ator Daniel Kaluuya). Seu trabalho em A Morte do Demônio: A Ascensão é grandioso, épico e bastante caótico. Com sons orquestrais sendo desmontados e remontados de maneira desordenada e ruidosa, a trilha de Stephen amplifica o desespero e o absurdo sendo mostrado em tela. Dave Garbett, que trabalhou em diversos episódios da série Ash Vs Evil Dead (2015 – 2018) compõe a equipe de EDR como diretor de fotografia e apesar de alguns momentos de brilhantismo seu trabalho não rende uma fotografia marcante e inovadora, soando imageticamente como qualquer outro filme de horror sobrenatural de grandes produtoras. Em arte, maquiagem e efeitos temos uma equipe extensa que dá vida ao roteiro com efeitos práticos de qualidade impressionante.

Os personagens centrais possuem uma química ímpar, que torna tudo muito dinâmico e fluido de assistir. Lily Sullivan entrega muita força e garra para sua personagem Beth, Morgan Davies e Gabrielle Echols acompanham perfeitamente a carga dramática dos irmãos Danny e Bridget, Nell Fisher transborda carisma com a pequena Kassie, mas sem sombra de dúvidas o grande destaque do elenco vai para Alyssa Sutherland. Alyssa dá vida a Ellie, a mãe de Danny, Bridget e Kassie. Sua atuação como Ellie transparece toda a exaustão da personagem que tenta criar os filhos sozinha e o amor que ela sente por eles, mas é a partir do momento em que Ellie é possuída que a personagem é elevada para outro patamar. Alyssa define com maestria o tom do filme inteiro. A ‘Maggot Mommy’, como foi apelidada pela própria atriz, é violenta, cruel, manipuladora, sarcástica e abraça muito bem a essência da franquia desde o primeiro momento que aparece em tela. 

De maneira geral, A Morte do Demônio: A Ascensão é uma experiência caótica e sangrenta que traz uma seriedade que, por mais que seja uma âncora em alguns momentos, proporciona uma nova ótica sob as histórias já contadas durante as quatro décadas da franquia e marca uma nova fase que promete revitalizar os horrores do Necronomicon no imaginário do público. Lee Cronin diz ter ideias bem desenvolvidas para mais quatro filmes e Sam Raimi, junto de Bruce Campbell, estão trabalhando em uma ‘bíblia’ do universo criado por eles para que novos produtores possam expandir sua lore mantendo uma coerência com sua mitologia.


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