Pânico VI – Desprende-se da dependência de seus personagens-legado e concentra-se no potencial do novo quarteto

Em janeiro de 2022, Ghostface teve seu retorno às telonas com a bem sucedida requel intitulada Pânico (Scream), mas popularmente chamada de Scream 5. Atingindo uma bilheteria de aproximadamente 140 milhões de dólares foi apenas uma questão de semanas para termos a confirmação de sua sequência. 

Sob a direção de Tyler Gillett e Matt Bettinelli-Olpin, Pânico VI (Scream VI, 2023) nos leva direto para a cidade de Nova Iorque, local para onde os sobreviventes Tara (Jenna Ortega), Sam (Melissa Barrera), Mindy (Jasmin Savoy Brown) e Chad (Mason Gooding) buscaram refúgio para reconstruir suas vidas longe do trauma vivido em Woodsboro. Logo os jovens descobrem que não há para onde fugir e precisam lutar mais uma vez para sobreviverem aos novos assassinos escondidos debaixo do manto do Ghostface.

A dupla James Vanderbilt e Guy Busick retornam para roteirizar esse novo capítulo com muito brilhantismo e ideias inovadoras. Dosando bem o drama, o horror e a comédia, só pecando em alguns momentos de conveniência que fogem o realismo e os limites do corpo, soando irreal demais até para o universo Pânico. Brian Tyler assina novamente a trilha sonora, dessa vez mais dramática, mais caótica e mais grandiosa. Uma orquestra assoladora que acrescenta uma teatralidade ao banho de sangue acontecendo em tela. 

De cara, o filme nos presenteia com a melhor sequência de abertura desde a clássica perseguição da jovem Cassie vivida por Drew Barrymore no original de 1996. A sequência parece seguir a mesma fórmula abordada diversas vezes ao longo da franquia: Uma mulher que recebe uma ligação do assassino, a conversa se encaminha para um debate sobre filmes de terror e seus reflexos sociais e termina em um trágico encontro entre Ghostface e a vítima. Com direito até a frase de efeito, o filme engana o público a acreditar que vai parar por ali, mas em uma virada de chave presenciamos uma subversão do que acreditamos que iria acontecer e temos uma nova perspectiva dos papéis de presa e predador. Esta sequência é densa, os diálogos são desconfortáveis e os atores envolvidos dão um show em atuação. É uma abertura crua e sucinta que apresenta muito bem ao público o que está por vir.

Pânico VI traz um olhar inovador que enriquece muito a experiência de quem irá assistir. O cinema de horror ainda é, claro, um tema bastante forte pois é um dos órgãos vitais que dá vida a franquia, mas não é a pilastra central na narrativa desta vez e isso dá espaço para a abordagem de outros subtemas, especialmente fakenews e a maneira problemática que as pessoas consomem (e a mídia retrata) histórias de crimes reais. É interessante observar que enquanto o saudosismo do quinto filme funciona muito bem para ganhar a confiança dos fãs mais fiéis, nesta sequência ele iria servir somente de âncora para a narrativa, então as relações com os personagens de legado são estreitadas para dar espaço à novas histórias. Estes personagens não desempenham um papel de deus ex machina e isso coloca os verdadeiros protagonistas na linha de frente da batalha. O filme trabalha bem os impactos do último massacre de Woodsboro nas vidas de seus sobreviventes, especialmente das irmãs Carpenter. Há um grande salto para a personagem de Melissa Barrera, Sam, que no filme anterior era tão desinteressante até seu momento de impacto no ato 3, está muito mais afiada e atenta, sempre pronta para enfrentar qualquer perigo que ameace sua vida e principalmente de sua irmã. Ela busca respostas para um grande dilema interno, assim como se curar das feridas deixadas pela tragédia que viveu. A atuação de Melissa é colossal e sem dúvidas eleva a personagem.

Confesso que é bem mais difícil gostar de Tara no início desse filme, coisa que aconteceu de maneira muito fluída no quinto, mas isso não significa que tenham estragado a personagem ou algo do tipo. Isso significa que foram muito firmes em seguir no rumo que decidiram para a personagem, rumo esse que coloca Tara em negação ao que aconteceu antes e a faz tomar uma série de atitudes irresponsáveis para sanar o desejo de deixar para trás o banho de sangue ao qual ela sobreviveu. Jenna Ortega se alinha muito bem ao que o roteiro propõe para sua personagem e entrega toda a confusão que ela está vivenciando naquele momento. Então ao mesmo passo que sentimos raiva e queremos voar para dentro do filme e mandar ela criar juízo, compreendemos o porquê de suas atitudes e torcemos para o melhor.

Jasmin Savoy Brown retorna com a cativante Mindy Meeks-Martin. Ela é uma peça fundamental para definir o tom do humor no filme, um elemento clássico da franquia que aqui está presente com menos frequência, mas com muita pontualidade. Mindy é sagaz em seus comentários carregados de metalinguagem sobre a construção de uma franquia. Ela diverte o público com primor, mas sua personagem não se resume a isso. Mindy ganha dimensão com uma carga dramática e faz parte de alguns dos momentos de maior aflição do filme. 

Desde as primeiras impressões do filme a performance de Mason Gooding tem recebido merecido destaque. Chad se vê obrigado a estar num papel de protetor de suas amigas e irmã, isso incomoda de início pois temos três mulheres muito fortes de maneiras distintas e que não precisam dessa proteção masculina apenas de um apoio mútuo. Porém, ao decorrer do filme entendemos que a proteção de Chad vem de um lugar puramente genuíno, puramente motivado a querer cuidar de quem ama. Cada um dos quatro trás um ponto que movimenta o filme: Enquanto Sam e Tara mostram diferentes impactos de uma mesma experiência traumática, Mindy é o cérebro, o humor, a metalinguagem e Chad é a emoção, é quem nos toca o coração. 

Os novos personagens são cativantes e executam bem o seu papel dentro do roteiro, mas me questiono se são fortes o suficiente para serem lembrados futuramente. Com exceção de Anika, o interesse amoroso de Mindy interpretada por Devyn Nekoda, que em poucas cenas conquistou o carinho da fã base e protagonizou uma das sequências mais desesperadoras do filme. 

Courtney Cox e Hayden Panettiere reprisam seus papéis de Gale Weathers e Kirby Reed, respectivamente, e tem juntas uma química divertida com uma pitada de acidez ótima. Neste retorno temos Gale tentando seguir sua vida após a perda de seu melhor amigo e grande amor Dewey Riley (David Arquette). Kirby faz parte do FBI atuando especialmente em ataques envolvendo a figura do Ghostface. Vê-la novamente em tela foi um grande prazer não apenas pela personagem que em mais de 10 anos depois ainda é lembrada com muito carinho, mas pelo retorno de Hayden à atuação.

Quanto ao Ghostface da vez, este é o divisor de águas. Desde a semana de estreia tem dividido opiniões quanto ao momento de revelação e principalmente a motivação. Pessoalmente achei a motivação bastante coerente com o longa, foge do padrão da franquia (apesar de uma grande semelhança com uma das sequências que não revelarei qual rs), mas faz sim bastante sentido com o que construíram. Porém, uma coisa é incontestável: Nunca tivemos uma equipe de assassinos tão brutal quanto esta! Com cenas de perseguição marcantes e mortes absurdas o Ghostface transita implacável por New York aumentando sua pilha de corpos, sem medo algum de agir em público. Não há lugar seguro!

Em sua semana de estreia Pânico VI fez uma bilheteria excelente de 70 milhões de dólares, sendo a melhor abertura da franquia. Esses números podem significar que não teremos que esperar muito para o sétimo filme, que deverá encerrar a trilogia desses personagens tão grandiosos e bem construídos. Foi uma experiência eufórica viver este revival da aclamada franquia de Wes Craven e a Radio Silence tem em mãos um material muito rico não só para um desfecho apoteótico do arco desses personagens.


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