M3GAN – Por que choras, Chucky?

Só quem gosta de filmes de terror sabe como pode ser estranha esta relação. Isso porque, geralmente, não é bem pelos protagonistas que nos apaixonamos. É claro, vez por outra surge alguma Sidney PrescottNeve Campbell na franquia Pânico – eternamente perseguida pelo Ghostface, ou mesmo uma Laurie StrodeJamie Lee Curtis em Halloween – que não aparece em todos os filmes da franquia mas insiste em lutar contra o mascarado que mata babás na noite de 31 de outubro.

Mas, confessemos: não é desses nomes que a gente lembra. A gente conhece mesmo Jason Voorhees, Fred Krueger, Michael Myers, Leatherface, Pinhead, Chucky… É dos vilões, dos psicopatas e dos assassinos em série que a gente lembra DE VERDADE. Cada um com suas particularidades, com seu “modus operandi”, com suas características próprias.

Esse último, aliás, há tempo, sem um rival que parecesse estar à altura. Nem mesmo a boneca Annabelle tinha o mesmo, digamos, charme que o principal “brinquedo assassino” da cultura pop carrega desde os anos 80. Mas, eu acho que agora pode haver uma alternância nesse pódio.

Brincadeiras à parte (não, eu não acho, de fato, que o boneco Chucky possa ser substituído no imaginário popular, ele tem seu devido lugar em nossos corações e vai permanecer lá enquanto existir cinema de terror), neste 19 de janeiro seremos apresentados à mais uma personagem que não deveria ser mais do que um brinquedo feito para ajudar na educação e até na superação de traumas das crianças as quais pertence.

M3GAN (2022) nos introduz uma boneca dotada de inteligência artificial que, logicamente, dá nome ao filme. Inventada pela competente cientista e designe de brinquedos Gemma, vivida por Alisson Williams de Corra! (Get Out, 2017), M3gan (leia-se “Megan”) se torna uma espécie de solução para lidar com a “batata quente” que cai nas mãos de Gemma: cuidar da sobrinha Cady, interpretada por Violet McGraw, que já apareceu antes em Viúva Negra (Black Widow, 2021), que acabou de se tornar órfã em um acidente de carro fatal para seus pais, e cuja a mãe era irmã de Gemma.

Bom, levante a mão quem acha que pode dar errado essa ideia de colocar nas mãos de uma criança de nove anos uma boneca altamente tecnológica, com uma inteligência artificial capaz de imitar comportamentos (e até sentimentos) humanos, que se atualiza e se autorregula e evolui cada vez mais conforme convive com outras pessoas. Ok, se você levantou a mão, você está certo! E se não levantou eu gostaria muito de ter essa fé inocente que você tem.

É claro que, se não fosse pelas escolhas estupidamente duvidosas que personagens de filmes de terror costumam tomar nessas estórias, nós não aproveitaríamos um terço de todas as experiências que vivenciamos ao longo de décadas. Desde correr pra um lugar deserto ao invés de procurar ajuda, ou investigar sozinho o barulho do porão ao invés de ligar pra polícia, até entregar pra sua sobrinha criança um robô que nunca foi testado e que não possui nenhum protocolo de segurança com relação à violência contra humanos.

Com o passar do tempo a relação de M3gan com as pessoas que provocam o mínimo de contrariedade à sua amiga Cady se torna um tanto problemática. Dizer “não” pra sua dona pode causar seríssimo danos à saúde. E é nessa pegada que a androide atinge nossa estima.

É nesses momentos de contrariedade que a boneca, interpretada aqui, fisicamente, pela atriz estreante (e extremamente flexível) Amie Donald e com a voz de Jenna Davis, nos mostra seu mais completo deboche por qualquer um que ache que pode lhe dar ordens. M3gan é irônica, atrevida e dona de um texto absurdamente cínico. Ela demonstra a superioridade que sabe que tem, deixando sutilmente claro que ela pode ser uma ameaça se quiser – e é!

E esse, pra mim, é o ponto mais forte do filme. M3gan não nos traz nenhuma chacina, não é uma recordista de assassinatos, muito embora a roteirista Akela Cooper tenha garantido que o roteiro original seria muito mais sangrento do que a versão final que foi para o cinema. Não é um filme de terror que te faz pular da cadeira a cada 5 minutos, repleto de sustos. E, a não ser que você tenha vivido e acreditado nas lendas da boneca Xuxa que atacava as crianças e deixava marcas em forma de “X”, no boneco Fofão que tinha uma faca no seu interior ou no pastor maluco que disse que a boneca Barbie gritava enquanto ele arrancava seus membros de plástico, você não vai perder nenhuma noite de sono com medo da androide.

Certamente, você vai gostar da sua estranheza. Ela é bizarra, causa um desconforto quando a encaramos pela primeira vez. Inclusive, nos personagens do filme, que insistem em confundi-la com uma criança real. Mas ela também é doce, amável, é engraçada, é uma ótima ouvinte e uma companhia calorosa pra sua dona. Bem diferente de Chucky ou Annabelle, que são possuídos por forças sobrenaturais, M3gan se aproxima muito mais de David, o garoto robô de A.I.: Inteligência Artificial (A.I. Artificial Intelligence, 2001), sendo que esse antecessor possuía protocolos de segurança e jamais faria mal a um humano.

O fato é que, com sua dancinha de Tik Tok (uma sacada genial de marketing pros dias atuais) e sua acidez, M3gan se torna um fenômeno de carisma, conquista a crítica (tem 95% de aprovação no site dos tomates, no momento que escrevo esse texto), já fez mais de 94 milhões de dólares ao redor do mundo (com orçamento de 12) e, segundo o Deadline, já tem sequência confirmada.

Para além do terror, o filme também traz uma importante reflexão sobre a pouca importância que damos ao tempo que passamos com nossas crianças e o quanto deixamos elas a cargo de produtos eletrônicos, como celulares e tablets, além de levantar um debate sobre nossas metas materiais, priorizadas em detrimento de nossas relações afetivas e, por vezes, éticas.

E, não, não precisa teorizar sobre a produção de modelos como M3gan no mundo real, isso está longe de acontecer. E eu não quero nem pensar nas implicações que poderiam existir se essas bonecas realistas forem compradas por adultos. Ou seja: fique tranquilo e vá ao cinema. A diversão, aqui, é garantida!


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