Sam Raimi sempre foi um diretor com visão. Quando falo em visão digo uma visão de autor em suas obras. Portanto, nunca entregou um filme genérico. Embora tenha um estilo próprio e se aproxime muito do horror, ele desenvolve traços de comédia. Essa mistura de estilos já é conhecida do mundo dos fãs de filmes de herói, afinal o diretor foi responsável pela primeira trilogia do Homem-Aranha no cinema. Mas afinal, o que levou ele a voltar a direção de um filme de super-herói? Além do dinheiro, obviamente.
Doutor Estranho no Multiverso da Loucura (Doctor Strange in the Multiverse of Madness, 2022) vende uma ideia errada. Sua propaganda e material promocional se pautam em algo que o filme não entrega de verdade. Fazendo um paralelo com atrações circenses no interior, o filme vem para enganar aos tolos, mas nem todos caem nesse conto. Parafraseando Raul Seixas: “No cume calmo do meu olho que vê Assenta a sombra sonora dum disco voador”, esse disco voador que nunca chega, é uma alegoria, o filme piada e genérico.
Aos elementos fílmicos, fica aqui nosso respeito a identidade visual que Sam Raimi imprime ao longa. A iconografia é impecável e facilmente reconhecemos os signos de seu diretor. Além dá óbvia homenagem aos filmes de terror e de horror dos anos 1970 e 1980, vide Carrie, a Estranha (Carrie, 1976) e Sexta-Feira 13 (Friday the 13th, 1980). Mas diferente dos diretores Brian De Palma, Sean S. Cunningham e John Carpenter, que tinham liberdade criativa em meio ao baixo orçamento de seus filmes, ao mesmo tempo que vivenciam a primeira onda do boom dos blockbusters, Sam Raimi se vê preso a um contrato mefistofélico com Kevin Feige e a Marvel no sentido de sempre preparar o espectador para um coito interrompido.
Sam Raimi não é santo, sabia onde estava se metendo, mas certamente é triste perceber que um diretor com uma visão autoral é capado em prol de “um universo cinematográfico muito maior”. Nesse sentido, o filme não entrega nada de novo na já batida fórmula Marvel. Muitas piadas, algumas sem graças, outras nem tanto. Um roteiro com muitos furos, que provavelmente será explicado por alguma entrevista ou em outro filme, e um desperdício de elenco. Com destaque para Elizabeth Olsen, que entrega uma atuação digna de uma porta. O que novamente comprova a mão invisível do produtor e do estúdio, pois na sua série solo, WandaVision (2021), ela entrega uma atuação muito mais consistente, carismática e crível.
A pergunta inicial, no fim das contas, não foi respondida. Talvez nunca saibamos a resposta. O retorno de Raimi aos filmes de super-heróis é marcado por algo que negativamente o diretor nunca entregou: um trabalho genérico, mas ao escolher a Marvel (ou a Disney escolher ele), acabou optando em ir para o caminho mais comum possível dentro do universo de filmes criados pela casa das ideias. Uma pena, entre possibilidades de existência entre tantos multiversos, quem sabe em alguma terra exista um filme de herói, com traços de terror, digno de Sam Raimi e Stephen Strange que o público tanto mereça.
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Atual Vice-presidente da Aceccine e sócio da Abraccine. Mestrando em Comunicação. Bacharel em Cinema e formado em Letras Apaixonado por cinema, literatura, histórias em quadrinhos, doramas e animes. Ama os filmes do Bruce Lee, do Martin Scorsese e do Sergio Leone e gosta de cinema latino-americano e asiático. Escreve sobre jogos, cinema, quadrinhos e animes. Considera The Last of Us e Ocarina of Time os melhores jogos já feitos e acredita que a vida seria muito melhor ao som de uma trilha musical de Ennio Morricone ou de Nobuo Uematsu.