Para quem gosta e acompanha cinema de uma forma além do causal, o nome de Paul Thomas Anderson é, normalmente, bastante reconhecido. Ainda que não possua em seu currículo nenhum grande sucesso de bilheteria, sua aclamação pela crítica fez com que seu nome alcançasse status de um dos grandes diretores da contemporaneidade, fazendo com que cada novo filme desse diretor seja aguardado com ansiedade por parte do público. Isso se reflete, principalmente, no fato de que a maior parte de seus filmes conseguiram indicações ao Oscar, seja para ele e para a equipe técnica, em alguns casos, seja para o elenco. Com Licorice Pizza (2021), não foi diferente. Desde que foi anunciado, o projeto despertou atenção, tanto pelos nomes envolvidos quanto pelo fato de ser, supostamente, uma obra parcialmente autobiográfica.
Portanto, não foi surpresa quando o filme começou a circular em festivais e logo conquistou não só a crítica como o público. Apesar de não ser exatamente um fã de Anderson, tenho consciência da qualidade de seu trabalho e de sua força como contador de histórias que, em sua maioria, servem como uma espécie de radiografia da sociedade dos EUA e dos comportamentos individuais que a moldam e são moldados por ela – como a ambição, no caso de Sangue Negro (There Will Be Blood, 2007) ou a hipocrisia em relação ao sexo e sua comercialização, como visto em Boogie Nights: Prazer Sem Limites (Boogie Nights, 1997), só para citar dois exemplos. Licorice Pizza tenta continuar essa vertente do diretor, dessa vez através de uma história de amor juvenil, e, ainda que possua seus méritos, não é o melhor filme dele.
Ambientada nos anos 1970, a história nos mostra a paixão do adolescente Gary (Cooper Hoffman, filho do falecido Philip Seymour Hoffman) pela jovem Alana (a cantora Alana Haim, estreando como atriz), e como isso resulta em uma amizade cheia de idas e vindas. Gary é um ator mirim extrovertido e cheio de lábia que se apaixona à primeira vista pela jovem dez anos mais velha, que não leva a sério a paixão dele, mas que acaba desenvolvendo um relacionamento que oscila entre a amizade, a parceria comercial e um constante flerte.
A partir dessa sinopse, se você acha que já viu essa história em algum lugar, você está certo: o maior defeito de Licorice Pizza é que toda a sua narrativa não só é completamente derivativa, extremamente escorada no lugar-comum, como a própria forma de contá-la é simples e sem nada que a torne especial ou particularmente inspirada. Isso não é exatamente um problema se não tivesse acontecido um surto coletivo que transformou o filme num dos mais premiados e aclamados da temporada de premiações, o que me leva a acreditar que quando se é um homem branco, cis, hétero e com uma reputação estabelecida como grande diretor, qualquer coisa que ele dirija tem chances enormes de ser bem recebida e aplaudida.
Quer dizer, então, que Licorice Pizza é um filme ruim? Não, não é. Na teoria, é um filme com vários elementos que poderiam funcionar perfeitamente para conquistar o espectador. As atuações do casal de protagonistas são ótimas, principalmente de Cooper Hoffman, que equilibra doçura, malícia, energia e a arrogância típica da fase da vida que representa. Alana Haim, por outro lado, se mostra bastante segura em cena, o que surpreende ainda mais pelo fato da sua personagem possuir um desenvolvimento dramático que não depende exclusivamente do seu par no filme. Os demais cumprem seu papel de gravitarem em torno dos protagonistas, sem muito aprofundamento, exceto pelas participações de Sean Penn e Bradley Cooper, que têm seus personagens um pouco mais desenvolvidos, o primeiro mais que o segundo. Sobre Bradley Cooper, acho interessante abrir um parêntese: sua atuação foi bastante elogiada, chegando mesmo a figurar como indicado ou mesmo premiado em várias associações de críticos. Apesar de achá-lo um bom ator, acredito que esse foi mais um exagero da crítica, visto que o personagem dele – baseado em uma figura real – se limita a ser um cara surtado, propenso a violência e, como ele mesmo se denomina, “viciado em rabos de saia”.
Nos aspectos técnicos, também não há muito o que reclamar: a fotografia aproveita bem Los Angeles, além da câmera de Anderson ter uma clara predileção pelo rosto de beleza incomum de Haim, que realmente atrai o olhar por ser expressivo e enigmático ao mesmo tempo. Outro ponto de destaque é a trilha sonora, que apesar de apelar para a obviedade de marcar a época a partir das músicas (e com isso reforçar a nostalgia), conta com canções de qualidade e uma trilha incidental eficiente.
No entanto, todos esses aspectos estão a serviço de um roteiro simples e esquemático, cujas situações dramáticas podem ser antecipadas muito antes de acontecerem por qualquer um que já tenha visto mais de uma comédia romântica ou coming of age (os muito comuns filmes sobre as dores do crescimento) em sua vida. Para aqueles que procuram um filme desse tipo que seja bem realizado, com um casal cativante e que nos deixa mais leves ao final, pode ser uma boa pedida, ainda que após a sessão pouca coisa reste em nossa memória. Em resumo, é um filme divertido, o que em nada depõe contra o talento de Paul Thomas Anderson.
Pois ser divertido não é pecado. Ser esquecível, é.
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Cineasta e roteirista, formado em Letras e graduando em Cinema, respira literatura, filmes e séries desde que se entende por gente. É viciado em sci-fi e terror, e ama Stephen King, Spielberg e Wes Craven. Tem mais livros em casa, e séries e filmes no computador de que seria humanamente possível ler e assistir, mas não vai desistir de tentar. Não consegue lembrar o que comeu ontem, mas sabe decorado os vencedores do Oscar de melhor atriz do últimos trinta anos (entre outras informações culturais inúteis).