A Filha Perdida – Precisamos sobretudo de ternura, mesmo que seja fingida

“No fim das contas, precisamos sobretudo de ternura, mesmo que seja fingida”. Essa é uma das frases mais impactantes de A Filha Perdida, ao meu ver. Desde que li o livro, fiquei com isso rondando na minha cabeça por um tempo e quando vi o filme, ela me voltou imediatamente e me fez pensar que a sensação que o filme me traz poderia ser resumida justamente por essa frase da Elena Ferrante.

A Filha Perdida (The Lost Daughter, 2021) é uma adaptação comandada por Maggie Gyllenhaal, seu filme de estreia, inspirado num romance dramático que leva o mesmo nome, escrito pela autora Elena Ferrante, que até hoje usa o pseudônimo para assinar os seus livros. Li o livro um tempinho antes de ver o filme e digo com tranquilidade que foi uma das minhas melhores experiências em adaptações para filmes.

Não é um filme fácil de agradar todos os públicos, a Ferrante tem uma forma de criar personagens que são muito difíceis de engolir, porque com ela não há amenidades, ela nos traz mulheres fortes, de personalidades muito marcantes e que passaram por muitos erros e acertos durante a vida, enfim, ela tem capacidade de mostrar seus personagens de forma crua, totalmente expostos e que nos deixam em dúvida sobre o que sentir por cada um deles.

Leda, interpretada pela Olivia Colman – e faço questão de citar, desde já, que foi uma escolha brilhante, muito mais do que eu esperava -, sai em viagem de férias, o que ela não esperava é que essa viagem lhe traria diversos sentimentos e recordações do seu passado e eu amo como conseguiram mesclar esses momentos no filme. Leda fica obcecada pela relação de Nina (Dakota Johnson) e sua filha Elena (Athena Martin Anderson), a última em questão tem uma relação forte com uma boneca que tem papel de destaque no filme, já que Leda, em certo momento, rouba a boneca e isso acaba por tomar proporções imensas e uma angústia forte na menina.

A partir disso, tomamos conhecimento de que a maternidade para Leda nunca foi fácil, nunca foi o conto de fadas que nos é contado. Ela teve que abrir mão de muitas coisas para se tornar mãe e sua relação com as filhas é extremamente abalada por momentos de briga, violência e uma mulher que acaba tomando uma atitude que te faz questionar se foi certo, errado ou se simplesmente ela estava agindo de acordo com o seu desejo.

Para além dessas lembranças, Leda se aproxima de Nina, que cria um vínculo de confiança com quem pode desabafar um pouco sobre a própria família, uma filha pequena, um marido violento, perigoso e que está constantemente a vigiando, seja com a própria presença ou através de terceiros. É interessante observar a forma um tanto sádica com que Leda vai agindo durante o filme, a personagem em diversos momentos age de forma impulsiva, se arrepende e se angustia. Essa angústia é com ela, com as filhas, com todas as suas relações. Leda apenas quer o direito de existir de acordo com seu próprio desejo e suas próprias escolhas. Se essas escolhas são louváveis ou não, acredito que cabe ao espectador decidir, mas será que esses espectadores podem decidir o que é certo ou errado em algum personagem?


VEJA TAMBÉM

Madres Paralelas – Maternidade e memória

Belfast – A importância de olhar para trás