Turma da Mônica: Lições – “A gente pode crescer sem deixar de ser criança”

Quem me conhece sabe que eu sempre fui completamente apaixonada pela Turma da Mônica durante a minha vida inteira e isso inclui os dias de hoje. Meu amor pelos gibis se tornou um amor pela Turma da Mônica Jovem, mais tarde pelas Graphic MSP e agora é um amor pelas adaptações em live action que chegam para movimentar esse cenário de cinema para toda a família/infantil brasileiro, com produções de muita qualidade.

Caso você tenha caído nesse texto por acaso e não saiba, Turma da Mônica: Lições (2021) é o segundo filme de uma – se Deus quiser – trilogia, o primeiro Turma da Mônica: Laços (2019) está disponível no Globoplay e temos um texto sobre o filme bem aqui.

Assim como Laços, Lições também é baseado em uma Graphic MSP de mesmo nome escrita e ilustrado pelos irmãos Cafaggi e carrega em seu título um duplo significado, um mais literal e um mais subjetivo, que vamos entendendo ao longo da trama. Aqui, ainda enfrentando as consequências do filme anterior, a turminha é separada por conta de uma irresponsabilidade deles próprios, e acabam tendo que enfrentar novos conflitos desencadeados pela falta de Mônica e pela própria vida. No filme anterior tivemos uma aventura que lembrava muito filmes como Os Goonies (The Goonies, 1985), mas agora, temos um drama com muitas características de filmes coming of age, de amadurecimento.

E a quem interessar a informação, eu chorei apenas três vezes. A segunda foi só de ver a Tina e o Rolo aparecendo pela primeira vez.

Daniel Rezende retorna para a direção, função que também já havia exercido em Bingo: O Rei das Manhãs (2017) e Ninguém tá Olhando (2019). O roteiro é de Thiago Dottori, que também trabalhou em Laços e em Psi (2014-2019), Marina Maria Ioria que roteirizou episódios de Bugados (2019 -) e O Álbum das Mulheres Incríveis (2019 -) e Mariana Zatz, que roteirizou episódios de Ninguém Tá Olhando e Juacas (2017 -). E a fotografia ficou com Azul Serra, que trabalhou com Rezende em Laços e Ninguém Tá Olhando.

A direção e a fotografia do filme são um primor, trabalham bem juntas e sabem destacar o que o elenco tem de melhor em cada momento específico. A direção de arte deu um belo salto, ainda tendo um lindo trabalho de cores e caracterização, que começa com as roupas clássicas da turma, mas depois investe em roupas modernas, mas que mantenham a paleta de cores e estilo das personagens. Além do que agora Cascão apresenta um visual mais suado ou sujo em diversos momentos. A trilha sonora é responsável por trazer momentos de uma espécie de realismo mágico que só a mente de uma criança pode trazer, como por exemplo, estar de frente com um valentão e se imaginar em um duelo de faroeste, mas apesar disso a achei um pouco excessiva e senti falta de algo simples, mas com significado, como a música tema da Mônica reimaginada em Laços.

Todo o elenco do primeiro filme está de volta, então Giulia Benite, Kevin Vechiatto, Gabriel Moreira e Laura Rauseo retornam como suas respectivas personagens da turma principal, assim como o elenco adulto que interpretou suas mães e pais. A atuação das crianças que já eram talentosas cresceu junto com elas, muitas vezes um olhar delas já diz tudo.

Mas claro, o filme trouxe muitas participações especiais. Ao contrário de Laços onde temos sim muitas outras personagens de Maurício de Sousa, mas apenas como figuração ou easter eggs, dessa vez são de fato participações, personagens que ajudam e influenciam na história – mesmo que pouco – anunciadas aos poucos durante a divulgação do filme. 

Então se juntam ao elenco Emilly Nayara como Milena, Laís Villela como Marina, Lucas Infante como Humberto, Vinícius Higo como Do Contra, Rodrigo Kenji como Nimbus, Giovani Donato como Dudu, Eliana Fonseca como Tia Nena, Isabelle Drummond como Tina, Gustavo Merighi como Rolo, Camila Brandão como Pipa, Fernando Mais como Zecão e uma surpresa que foi mantida em segredo até o último minuto, Tiago Minski Schmitt como Franjinha. Sem contar que tivemos Mingau e Bidu também, o filme dos pets vem aí.

Claro, os veteranos brilham quando aparecem, mas os mais novos demonstram muita segurança e carisma em seus devidos papéis também, com destaque para Vinícius Higo que roubou a cena diversas vezes com seu Do Contra muito certeiro em suas piadas e colocações, parece simplesmente certo que ele se destaque na multidão. Com a pandemia o elenco deu o famoso estirão nesse meio tempo, então imagino que o próximo filme precisará de algumas adaptações maiores do roteiro para ter uma narrativa mais adolescente.

Para começar a falar da trama em si, é importante dizer que o filme faz o tipo de adaptação que eu gosto, respeitando o material original ao mesmo tempo em que cria algo novo. Por exemplo, algumas participações que estão na HQ de Vitor e Lu Cafaggi como Quinzinho, Xaveco ou as meninas do bairro das pitangueiras – só quem é fã hardcore da turma conhece essas – não estão na obra, mas em compensação temos Milena, Do Contra e a turma da Tina. Mas, além disso, o roteiro muda diversos pontos da história para melhor trabalhar a nova a que se propõe e intensificar os novos conflitos criados, rendendo diversos momentos que estão no quadrinho, mas reimaginados, com um novo significado, contexto e até mesmo um novo desfecho.

O filme começa com a turma planejando uma interpretação de Romeu e Julieta, uma clara referência a Mônica e Cebolinha – No Mundo de Romeu e Julieta, quadrinho de 1979 e uma das várias que o filme trás para os fãs, mas que não atrapalham o andamento de nada. Como Maurício de Sousa e Mônica Sousa fazendo pequenas participações e também referências em imagens como uma ao Anjinho e outra a Mariana, a irmã de Chico Bento que virou estrela no céu.

Por conta da preparação para a peça, nossas quatro crianças se esquecem de fazer sua lição de casa, o que os leva a tentar fugir da escola, mas o plano dá errado e Mônica acaba quebrando o braço, o que acaba sendo a gota d’água para sua mãe, Dona Luísa (Monica Iozzi), que não apenas não esqueceu a aventura do primeiro filme como guarda certa mágoa do evento e decide transferir sua filha para outra escola, o que vai mudar a dinâmica das outras três personagens, afinal, como esse grupo funciona sem a sua líder? Ela deixa um vazio difícil de preencher.

O desafio de Mônica acaba sendo se adaptar a nova escola onde ela não é mais alguém especial, Cebolinha agora é finalmente o dono da rua, mas não tem mais sua antiga protetora para defendê-lo dos valentões, ao mesmo tempo em que está fazendo sessões com uma fonoaudióloga para corrigir sua dislalia, Cascão também virou alvo de valentões enquanto é colocado em uma aula de natação para superar seu medo de água e Magali, talvez a mais afetada por conta da distância de sua melhor amiga, é colocada em uma aula de culinária para aprender a controlar melhor sua ansiedade e o monstro na sua barriga, sem dúvida a minha sacada favorita do filme. E para todos fica o desafio de fazer novas amizades e claro, lidar com a saudade.

Mantendo um ar e um humor infantil, somos introduzidos a um crescimento das personagens, entendendo suas responsabilidades e o que podem mudar sem perder suas essências. Os conflitos estão mais reais do que nunca, assim como as relações. Romeu e Julieta, para além da apresentação que estão planejando, reflete a ligação de Mônica e Cebolinha, com suas famílias brigando e aumentando a distância entre ambos. Gosto muito de como o elo entre os dois vem sendo construído de forma orgânica e sensível, é claro que existe algo ali que nenhuma das partes entende direito ainda.

O forte protagonismo de Cebolinha do primeiro filme dá lugar a espaço o suficiente para o resto da turma se desenvolver. Com o grande número de personagens novas, é óbvio que não teremos espaço para todas que acabaram servindo mais de auxílio para as protagonistas, mas que abrem muitas possibilidades. Tina também já protagonizou sua própria Graphic MSP, então quem sabe um filme solo possa estar sendo planejado, já vem vindo ai um filme do Jeremias baseado em sua própria HQ do selo e acho que seria muito apropriado vê-lo dividir a tela com Milena em algum momento. Até mesmo o próprio Humberto que nos gibis antes era um garoto com problema de fala, passou a ser retratado como surdo, ensinando o uso de libras em algumas histórias da turminha criança, seria um terreno fértil para introduzir outras personagens PCDs (pessoas com deficiência) como Dorinha e Luca, uma garota cega e um garoto cadeirante. Esse universo de filmes só tem a crescer com o direcionamento certo.

Como Tina bem ensina, crescer é difícil, mas não precisa ser ruim. Pode doer sim, talvez até como um braço quebrado, mas vai render boas recordações, como um gesso desenhado pelos amigues.

Eu saí da minha sessão com o coração quentinho e algumas lágrimas nos olhos, mais ou menos como em 2019, ao ver o primeiro filme. Rezende sabe manter o encanto e o charme que tanto amamos na Turma da Mônica, fazendo com que ignoremos certas conveniências da história facilmente em prol do entretenimento. Ver tantos personagens diversos juntos e pensar nas possibilidades que esse filme trás para obras futuras me deixou muito empolgada.

Turma da Mônica: Lições, assim como seu antecessor, faz muito bem o que o os quadrinhos dos irmãos Cafaggi fazem, nos deixar com o coração aquecido e em contato com nossa criança interior.

Sobre a cena pós-créditos, ao mesmo tempo em que quero falar muito sobre ela, não quero dar spoiler ou jogar muito das minhas expectativas, mas se você assim como eu é fã do Chico Bento, aguarde, acho que em breve vamos ganhar um presente.

Turma da Mônica: Lições, já está nos cinemas e eu recomendo demais que quem puder vá assistir, vale muito a pena.

Acredito que sim, vamos ter um terceiro filme para adaptar a terceira história escrita pelos Cafaggi, agora com o elenco mais crescido seria uma oportunidade para redescobrir essa história e talvez até beber de outras para condizer com a fase adolescente das personagens.


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