A importância de Pânico (Scream, 1996), não somente para o cinema de terror, mas para o cinema dos anos 1990 em geral é algo aceito sem muitos questionamentos. Para o bem e para o mal, é um filme que não só revitalizou todo um gênero como também traz em si uma síntese de parte da produção cinematográfica dessa década, que não se levava tão a sério, abusava do cinismo, do deboche, da violência e, que mesmo parecendo superficial, trazia comentários, normalmente ácidos, sobre a sociedade do período. Filmes tão diferentes como Assassinos por Natureza (Natural Born Killers, 1994) e Um Sonho sem Limites (To Die For, 1996) fazem parte desse grupo, que mostraram que a busca pelo famoso sonho americano muitas vezes leva a uma estrada pavimentada por podridão e violência.
Por mais que Pânico seja menosprezado por certa parcela do público e crítica devido ao seu gênero, não somente o primeiro, mas toda a série de filmes (até mesmo o malvisto Pânico 3) buscam, através da metalinguagem que os tornaram famosos, trazer ao espectador questionamentos sobre qual a relação entre o cinema e a violência cada vez maior na sociedade, principalmente a praticada por jovens. Ainda que não se possa dizer que exista sutileza no tratamento do tema, a discussão é válida e bem conduzida na maior parte do tempo.
Outro ponto a favor da série Pânico é a unidade que os filmes possuem entre si, algo que é quebrado apenas um pouco em Pânico (Scream, 2022), que ignora alguns acontecimentos dos filmes 3 e 4. Pois, diferentemente de outros slashers, como Sexta-Feira 13 (Friday the 13th, 1980), O Massacre da Serra Elétrica (The Texas Chainsaw Massacre, 1974) ou mesmo Halloween (1978), todos os Pânico seguem uma progressão narrativa, com o mesmo trio principal, além de referências pontuais aos filmes anteriores, respeitando assim uma cronologia de acontecimentos, algo raro em filmes de terror desse tipo.
Acreditei ser necessário tocar nesses pontos para poder retirar de quem for assistir – e que seja fã franquia – o medo que surgiu logo que Pânico 5 foi anunciado (vou me reservar o direito de me referir ao filme como Pânico 5, mesmo que o marketing tenha excluído o numeral do título). Com a morte de Wes Craven, que dirigiu os quatro filmes anteriores, e a ausência de Kevin Williamson no roteiro, muito se questionou se o filme iria funcionar ou se seria só uma forma do estúdio arrancar mais alguns centavos de uma franquia moribunda. Mesmo com a confirmação de parte do elenco dos filmes anteriores e com a contratação da dupla de diretores do inventivo Casamento Sangrento (Ready or Not, 2019), os fãs só passaram a acreditar no potencial do filme quando o primeiro trailer foi lançado.
E agora podemos atestar que a aposta do estúdio foi acertada: por muito pouco Pânico 5 não é o melhor da série desde o Pânico original. Peca apenas no terceiro ato, pois a revelação de quem está por trás da máscara de Ghostface não tem tanto impacto quanto poderia. Além disso, a motivação, apesar de ser totalmente condizente com o espírito dos filmes e pertinente para o momento atual da cultura pop, não é tão interessante quanto as dos filmes anteriores, pois perde em um fator em comparação a esses: não tem nenhuma relação emocional direta com qualquer um dos protagonistas.
No entanto, isso não chega a apagar o brilho do restante do filme, que traz algumas das mortes mais criativas de toda a franquia, além de trabalhar muito bem o suspense e as relações entre os personagens novos, seja entre eles ou deles com os personagens antigos. Os diretores Matt Bettinelli-Olpin e Tyler Gillett buscam respeitar ao máximo o estilo de Craven, mas não deixam de mostrar personalidade própria, principalmente na sequência final, que traz elementos em comum com o filme anterior da dupla, o já citado Casamento Sangrento. Além disso, por mais que exista um grande foco em referenciar elementos dos filmes anteriores – principalmente do primeiro filme – a narrativa não parece ser apenas um gigantesco fan service, pois a linha principal que envolve a nova protagonista interpretada por Melissa Barrera é bastante diferente da que envolvia Sidney (Neve Campbell). Outro ponto é que, ainda que Sam (a nova personagem) não possua tanto carisma quanto Sidney, ela segue o que se espera de Pânico ao descontruir em parte o que o papel de uma final girl, já que – sem dar spoilers – ela possui certos elementos que a tornam dúbia e poderiam levá-la à vilania. Outra questão é o elenco de apoio, que, excluindo-se o trio que retorna, segue o padrão da franquia, oscilando entre os esquecíveis e os carismáticos, com o bônus de trazer maior diversidade, o que é sempre muito bem-vindo.
No fim, Pânico 5 nos mostra que uma franquia que muitos já julgavam morta e enterrada (principalmente depois do fracasso financeiro do ótimo quarto filme) está, na verdade, pronta para apresentar o seu melhor. Mostra, também, que ainda é possível fazer obras interessantes mesmo dentro de uma fórmula tão conhecida. E que venha Pânico 6.
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Cineasta e roteirista, formado em Letras e graduando em Cinema, respira literatura, filmes e séries desde que se entende por gente. É viciado em sci-fi e terror, e ama Stephen King, Spielberg e Wes Craven. Tem mais livros em casa, e séries e filmes no computador de que seria humanamente possível ler e assistir, mas não vai desistir de tentar. Não consegue lembrar o que comeu ontem, mas sabe decorado os vencedores do Oscar de melhor atriz do últimos trinta anos (entre outras informações culturais inúteis).