Caminhos da Memória – Nostalgia e clichês demais são veneno

A ficção científica é um gênero que muitas vezes opta por histórias sobre o futuro da humanidade, seja em viagens interespaciais ou distopias terrestres, seja em abordar temas como inteligência artificial ou um colapso tecnológico, mas não é incomum que ela aborde também um sentimento que é inerente à nossa espécie: o amor. São vários os exemplos onde este complexo sentimento permeia as histórias de ficção científica, como na paixão de Deckard por Rachell em Blade Runner: o Caçador de Androides (Blade Runner, 1982) ou, mais recentemente, a obsessão de Theodore por Samantha em Ela (Her, 2013), entre muitos e muitos outros.

Em Caminhos da Memória (Reminiscence, 2021) a roteirista e diretora Lisa Joy decide nos contar uma dessas histórias. Em um futuro (mais próximo do que gostaríamos) o colapso ambiental – atualmente anunciado – causou a submersão de boa parte das terras que conhecemos e a população humana passou a trocar o dia pela noite, fugindo do calor insuportável causado pelo aquecimento global. Por outro lado a humanidade descobriu uma forma de revisitar suas memórias de forma quase física, o que pode ser de grande ajuda em interrogatórios e investigações criminais, mas que também causa um desejo saudosista ainda maior pelo que já foi vivido. E claro que nós, seres obcecados por nosso passado e sedentos por nostalgia, iríamos nos esbaldar e até mesmo abusar dessa tecnologia. Nick Bannister (Hugh Jackman) é um veterano de guerra que decidiu investir neste novo “negócio”, levando as pessoas a reviverem momentos de suas vidas ou encontrar coisas que esqueceram em seus caminhos, até que o próprio Nick perde algo de extremamente importância para si: um grande amor.

E é neste momento que percebo que o filme trilha caminho para um outro famoso gênero cinematográfico, o noir. Todos os clichês, como a narração do investigador com profundas reflexões sobre sua investigação, o envolvimento pessoal e emocional dele com o alvo da investigação, as reviravoltas durante o correr do caso, e, é claro, a presença de uma dama fatal, com direito a vestido vermelho e apresentações musicais em bares mequetrefes. Toda esta estrutura montada, ainda que possa não ser tão firme, parece ter um potencial se o que fosse construído sobre ela fosse inteligente, porém, e infelizmente, não foi o que a diretora e roteirista conseguiu realizar aqui. O filme não consegue em nenhum momento fugir ou ao menos utilizar bem as características dos gêneros a que se propõe, nos contando uma história que parecemos já ter visto outras vezes em várias outras ocasiões. A obsessão de Nick por sua amada Mae (Reebecca Ferguson) logo se torna insuportável e repetitiva, um sentimentalismo barato que nunca consegue se justificar, e até mesmo a personagem que poderia ter mais ação na trama e dá-la um pouco mais de dinamismo é quase sempre desperdiçada, mesmo que Thandiwe Newton esteja muito bem no papel.

Caminhos da Memória demonstra que Joy tem grande desejo de trabalhar os inúmeros temas possíveis que a ficção científica possibilita, e sinceramente vejo muito potencial nela, tendo em vista o que fez nas primeiras temporadas de Westworld (2016 -), mas espero que ela vá aprendendo com os erros e desenvolva uma identidade onde ela possa estar mais segura. E, claro, preciso dizer que qualquer tipo de comparação ou tentativa de colocá-la à sombra dos irmãos Nolan, mesmo que os temas em que trabalham possam coincidir, é pura covardia.


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