Foi Um Tempo de Poesia – O que fica são as memórias que você deixa no outro

Patativa do Assaré admirando o mar, andando pelas areias, ainda tomadas por jangadeiros. É assim que começa Foi Um Tempo de Poesia (2021), novo filme de Petrus Cariry, com produção executiva de Bárbara Cariry, que demonstra um poder de síntese imenso nos treze minutos que discorre a obra, culpa dos Cariry em entender e transpor a linguagem cinematográfica com maestria. Num documentário carregado de afeto pelo diretor/narrador, mostrando a relação dele/afilhado e Patativa/padrinho.

É através dessa relação que torna-se impossível separar o Patativa/Padrinho do Patativa Poeta do Povo, pois eles se coexistem assim como a arte do mundo. Ao Patativa afirmar que da capital só gosta do mar, retrata não só a curiosidade do sertanejo interiorano de conhecer o mundo de água do litoral, mas também para entender o que o cerca diariamente. O Poeta não perde tempo em comparar o mar com os elementos do sertão. É o Sertão-Mar dentro da gente.

Então, intercalando com a narração de Petrus Cariry, Patativa sempre retorna ao assunto do entendimento de onde vive. Ele não se satisfazia com a pura e importante observância, e sua genialidade – já provada por sua obra e ótica – é exponenciada quando diz também que precisava da leitura para entender o sertão. Encontramos aqui um padrinho que se veste de humildade e, com as alpercatas da curiosidade, entende que existe um mundo, uma visão, uma forma além de sua mente. Que anseia em conhecer outras visões. Outros mares.

Não seria Poeta que foi – e sempre será – se não defendesse seu povo. Assim como Machado de Assis e Ariano Suassuna, Patativa tem sua versão do “Brasil Real e Brasil Oficial”, chamada de “Brasil de Baixo e Brasil de Cima”. Esse último, sempre pra frente. Já o primeiro, sempre para trás. O Trovador de Assaré explica singelamente a diferença de classes tão clara quanto uma Rosa dos Ventos.

E sem desvencilhar, o documentário também trata-se de seu diretor. De suas lembranças numa carta-filme de saudades, ressaltando como o cinema é também sobre memória. Sobre a partilha delas numa catarse.

Pois como diz o filme, “(…) o que fica são as memórias que você deixa no outro.”


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