RESENHA | Santuário, de Maria de Fátima Maia

Uma vez eu vi alguém dizendo que todo mundo gosta de poesia, pois quem gosta de música gosta de poesia. Concordo, porque é a poesia que dá a alma tanta coisa na vida. 

É a poesia o alicerce do santuário da literatura, e Maria de Fátima Maia nos convida a entrar no templo dos sentimentos através da língua portuguesa, tão bela e sonora, defendida por sonetistas como Camões e Fernando Pessoa. 

Mas o que é um soneto? 

Basicamente, Soneto é uma estrutura poética composta por quatorze versos, onde dois são quartetos (quatro versos) e dois são tercetos (três versos). Vamos para um exemplo estrutural de “Vejo, as cãs do ignóbil cavaleiro” do livro: 

“Restou algo da sólida armadura? 

Do brocado, uma mácula escarlate, 

o estigma cruento do combate 

é um espírito ávido por cura (fim 1º quarteto) 

À maneira atrevida de quem jura, 

artimanhas sequer coram tua face, 

com sussurros planejas nosso enlace… 

Sedução, incurável pr’alma pura! (fim 2º quarteto) 

E, tocando meu golpe já dormente, 

a incerteza me toma de repente. 

Sob o aço, eu pergunto ao mesmo espelho (fim 1º terceto) 

se será esta minha reflexão 

ou quiçá fiel justa projeção… 

Vejo, as cãs do ignóbil cavaleiro! (fim 2º terceto) 

Maria de Fátima mantém essa estrutura, considerada monostrófica (dentro de uma só esfrofe). Porém, muitos dos seus sonetos tem uma forte carga petrarquianas/italiana dentro de sua rima e métrica. 

Não vou estender-me nas estruturas e exatidões do livro, já que a importância do encontro dos sonetos é justamente essa irregularidade de rimas e métricas dentro de uma estrutura que a autora toma. Maria não restringe sua poesia a regras: toma algumas para ser o esqueleto de sua obra e nela deposita o corpo e alma necessários para dançar a música da poesia. 

Cumpre-se então – para mim – a maior função do soneto: fazer jus a sua etimologia e ter sonoridade! Muitos dos sonetos senti a vontade – e o fiz – de recitá-los em voz alta (mesmo com minha clara inaptidão vocal-musical)

A impressão ao ler é de plumas púrpuras suspendendo o peso de sentimentos voláteis na tentativa de expurgar a hercúlea tarefa que é falar sobre o amor. E quando falo “amor”, falo saudade, dor, intervalos, vento, dúvida… 

Outro detalhe curioso do livro é o que cerca a publicação. V. Ex.ª Maria de Fátima Maia é Procuradora Geral do Município de Limoeiro do Norte/CE e membro da Comissão de Direito Eleitoral da OAB/CE. Seu livro recebe o texto das orelhas de V. Ex.ª Napoleão Nunes Maia Filho, ministro do ST. Tem V. Ex.ª Ionilton Pereira do Vale, Promotor de Justiça do Estado do Ceará. 

A publicação é uma ode à proximidade que o Direito sempre teve da Literatura na história do Brasil, imerso na interdisciplinaridade dos pensamentos sobre o homem e o mundo. Assim como Ariano Suassuna e Mário Marroquim, nossa autora carrega a veia artística dos Maia como sendo vencedora do prêmio Costa Matos de Poesia (2010) e autora do livro “Borboletário” (2011), também publicado pela editora Confraria do Vento. Lembremos que Napoleão Nunes Maia Filho é membro da Academia Cearense de Letras e Ionilton Pereira do Vale é escritor. 

Não posso deixar de prestigiar o ótimo trabalho gráfico encabeçado pelo talentoso Geraldo Jesuíno e a Pranayana Design, que optam pelo roxo/lilás e seus tons que expressam um ar singelo e de transformação. 

Em Santuário, o soneto vive. E quem quiser fazê-lo morto dentro da nossa literatura, parafraseio Maria: 

“de quem quer minhas folhas arrancar, 

é preciso obstar todo perigo.” 

Para quem quiser adquirir o livro, é só mandar e-mail pra mfmaia@gmail.com ou acessar o site da editora Confraria do Vento aqui


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