I-Juca Pirama – A quadrinização de uma obra essencial da literatura brasileira

Minhas experiências com adaptações de clássicos da literatura brasileira para quadrinhos não são das melhores. Há um certo costume da transcrição do texto literário ipsis litteris para os roteiros que comprometem a qualidade delas em muitos aspectos: o desenho é condicionado a somente repetir a mensagem escrita, o que prejudica a função da arte sequencial: cumprir a serialização das imagens e demais elementos numa harmonia que conceda à leitura da obra certa fluidez. Foi o que aconteceu em Macunaíma em HQ, por Ângelo Abu e Dan X.

O elemento textual citado acima está presente em I-Juca Pirama que o pernambucano Silvino adapta da obra de Gonçalves Dias. Mas incrivelmente (e felizmente) não acontece o mesmo. Silvino consegue um feito digno de aplauso em ressignificar essa escolha.

Como Silvino conseguiu não cair nesse erro onde tantos não se esquivam?

Analisando com mais calma as quase cinquenta páginas da obra, é imprescritível a qualidade literária de Gonçalves Dias dentro do romantismo brasileiro. Eu particularmente tenho uma apreço pelo Indianismo, pois sou da terra de José de Alencar (minha boa Messejana!) e percebo que tais obras são providas de recursos aventurescos dentro de dualidades como o primitivo e moderno, o inexplorado e a descrição de valores humanos.

Silvino aproveita-se desses recursos e antes de dilui-lo em sua adaptação, distribui dentro dos recursos agora quadrinísticos: não muleta-se nas caixas de diálogos. Silvino, por mais que se concentre mais neles, recorre aos balões de diálogos e aos silêncios (esses últimos merecem uma atenção especial. É neles que vemos o significado dos intervalos de uma poesia entre estrofe e outra através de quadros silenciosos e suas sequências). Isso prova que Silvino, antes de entender como daria vida a essa HQ, conhecia o âmago do texto do patrono da cadeira 15 da Academia Brasileira de Letras.

Pode-se estranhar a forma escrita de Gonçalves saindo das bocas balonadas dos Tupis e Timbiras, mas entende-se rapidamente que é um produto do texto romântico de seu autor cinquentista do século XIX.

O segundo ponto é seu desenho. A escolha por paletas fechadas do verde, amarelo e suas variantes já indicam os sentimentos postos nas imagens. Seus contornos são soltos e fortes, que ajuda no volume e decodificação dos elementos gráficos. A escolha dos enquadramentos de página é diversa, mas segue um padrão importante para a identidade da história.

Terceiro ponto é seu mérito por entrar no Programa Nacional do Livro Didático 2020 – PNLD Literário. A obra essencial da literatura nacional, através da arte sequencial de Silvino, ajudará a categoria 2 (8º e 9º ano Ensino Fundamental) a ter uma compreensão melhor do texto de Gonçalves Dias além do seu já conhecido Canção de Exílio. Sem contar a apreciação do quadrinho como arte e produto identitário por si só.

Ao ler I-Juca Pirama de Silvino, “parece que o vejo (Gonçalves), que o tempo nest’hora diante de mi”.


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