Afronta! – Diálogos e personalidades necessárias

Em 2020 uma importante série documental entrou no catálogo da Netflix, Afronta! (2017). A obra discute, entre outras coisas, o afrofuturismo como movimento estético e filosófico, e é assinada pela cineasta Juliana Vicente. Fugindo de uma ideia já obsoleta, de uma cultura majoritariamente branca, o seriado conta com vários artistas negros de múltiplas áreas falando sobre suas histórias e perspectivas.

Um dos maiores objetivos da série é trazer em conta a perspectiva destes artistas, cada um com um episódio de dez a quinze minutos, e sua relação tanto com a arte como com o afrofuturismo. O termo foi criado por Mark Dery em 1993 e explorado no final da década de 1990 por conversas lideradas por Alondra Nelson. Não busco aqui trazer um texto didático sobre afrofuturismo, mas sim falar da forma única como o seriado de Juliana Vicente consegue trazer a conversa sobre este conceito de múltiplas formas dentro da realidade de vida – tanto pessoal quanto artística – destas pessoas. 

Importante também a discussão sobre como a arte e os trabalhos destas personalidades são pensadas muitas vezes a partir de vivências de pessoas de cultura de periferia e também do povo preto. Por muito tempo a arte – ao menos a arte dada um maior espaço em diversas mídias – foi pensada para uma elite branca da sociedade. Os nomes mais conhecidos por trás de obras de arte, obras audiovisuais, músicas, teatro, foram por um bom tempo nomes de pessoas brancas. 

“Ou a gente tá morrendo ou eu tô viva só falando de racismo.”

Uma fala de Thamyra Thâmara, jornalista, fotógrafa e produtora cultural e também protagonista de um dos episódios de Afronta! termina por exemplificar uma grande luta de muitos profissionais negres em meio a nossa sociedade. Criadores de conteúdo pretes normalmente não ganham tanto foco (e acué – dinheiro) se não estiverem falando sobre suas vivências como pretes e sua visão sobre racismo. 

Preciso aqui falar da importância, sim, destas pessoas terem voz para falar sobre estes assuntos, mas a sociedade consumidora de conteúdo precisa também entender que há muito mais sobre o que eles podem falar. A arte de artistas pretes não é só sobre racismo, existem múltiplas vivências das vidas a serem exploradas por meio da arte e nem todas elas são de dor causada por uma sociedade racista. 

“A gente ainda tá aqui abrindo caminhos.”

É importante ressaltar a fala da musicista Xênia França, também protagonista de seu próprio episódio no seriado. Ela reconhece a luta do povo negro e como existe muito negado ainda hoje a eles. Os caminhos estão sendo abertos há muito tempo, através de muito esforço e muita batalha, muita dor. Mesmo assim, é importante reconhecer essa luta sem reduzir as pessoas negras a essa luta apenas. 

Descolonizar o pensamento é muito sobre reconhecer e aprender sobre as trajetórias dos povos sem trazer um olhar colonizado. A colonização é responsável pelos espaços modernos, até o ano de 2020, tratarem pessoas negras como não merecedoras, não dignas, como se sua voz não valesse ser ouvida. Ancestralidade e a importância da cultura dos povos negros são temas extremamente recorrentes ao longo da série, pois, para falar sobre o presente e o futuro é importante falarmos sobre o passado. 

Todos podem sentar e assistir Afronta!, sozinhos e com a família, a série fala sobre coisas importantes de uma forma delicada, capaz de atingir ao público de todas as idades. Não apenas isto, a série é uma importante obra a ser vista pelo público negro, mas também por um público branco. Se torna necessário reconhecer os espaços e as pessoas formando os diferentes espaços desta sociedade da qual fazemos parte.

Afronta! é sobre muito, e consegue ser sobre muito através de 26 episódios curtos e com formas extremamente acessíveis para se ter uma conversa tão importante. Uma das maiores críticas à academia é como certos diálogos são feitos sem a capacidade de serem compreendidos pelas massas, com termos extremamente academicistas e difíceis. Existem por aí inúmeros discursos vazios capazes de usar pessoas pobres de tokens (muitas vezes sinônimos de quem não compreende, de quem é incapaz de aprender) e além de não envolver pessoas da periferia nestas discussões, não realiza as mesmas de forma com que todos possam compreender.

Considerando estas e outras razões, Afronta! está totalmente disponível com seus 26 episódios para serem assistidos pela Netflix. Já que os episódios são independentes e com várias personalidades de áreas diferentes, você pode começar pelas suas figuras favoritas ou seguir os episódios na ordem desejada.


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