O Céu da Meia-Noite – O isolamento dentro de nós

 

As perguntas que sempre fazemos quando normalmente olhamos as estrelas são: existe vida além do planeta Terra? Existe uma forma dos humanos viverem em outros planetas? Estes e muitos outros questionamentos são feitos ao longo da vida humana através de estudos científicos e nas diversas missões realizadas quando enviamos sondas para estudar outros planetas e estrelas no cosmo. O cinema busca fazer estas perguntas constantemente em filmes que não só abordam a temática das missões espaciais, como também a jornada humana rumo ao desconhecido. Filmes como Perdido Em Marte (The Martian, 2015), Interestelar (Interstellar, 2014) e o recente Ad Astra: Rumo às Estrelas (Ad Astra, 2019) usam o isolamento humano para tentar mostrar como agiríamos diante da descoberta de mundos hostis e como isto nos afetaria psicologicamente quando retornássemos para uma vida mais mundana na Terra. A nova superprodução da Netflix O Céu da Meia-Noite (The Midnight Sky, 2020) segue a mesma linha dos filmes citados ao tentar mostrar duas jornadas distintas que acabam se cruzando em um determinado momento, trazendo reflexões pertinentes sobre o isolamento e existencialismo humano.

O longa tem uma premissa bastante interessante, baseado no livro de Lily Brooks-Dalton “Good Morning, Midnight”, a narrativa segue a jornada do cientista Augustine (George Clooney) que precisa correr contra o tempo para contatar um grupo de astronautas que estão voltando de uma missão espacial, mas irão enfrentar uma misteriosa catástrofe global quando retornarem a Terra. O filme é dirigido por George Clooney que já se mostrou ótimo atrás das câmeras com Boa Noite e Boa Sorte (Good Night, and Good Luck, 2005) e Tudo Pelo Poder (The Ides of March, 2011), ainda que tenha derrapado em dramas medianos como Caçadores de Obras Primas (The Monuments Men, 2014) e Suburbicon: Bem Vindos Ao Paraíso (Suburbicon, 2017), temos aqui o ator/diretor cuidando de uma grande produção pela primeira vez na carreira, tendo que lidar com efeitos visuais e cenários mais complexos, enquanto tenta balancear o arco dramático da história com seu lado mais científico.

Em O Céu da Meia Noite vemos um amadurecimento na direção de Clooney, ainda que tenha dificuldade de equilibrar os dois arcos dramáticos estabelecidos pelo roteiro escrito por Mark L. Smith, vemos aqui um diretor que se preocupa com os detalhes trazendo tomadas ambiciosas com estilo bastante próprio, entregando um trabalho bastante sólido nos momentos mais íntimos e conseguindo criar bastante tensão quando precisa em sequências de ação que são no mínimo competentes. 

Ainda que Clooney se saia bem, como citei anteriormente um dos maiores problemas deste filme é saber equilibrar a jornada de Augustine e da pequena Iris (Caoilinn Springall) até uma estação meteorológica em meio a uma nevasca para conseguir uma forma de contatar a estação espacial Aether, com o drama vivido pelos astronautas na própria estação tentando fazer uma transmissão com a Terra, além de lidar com grandes problemas que surgem durante sua trajetória de retorno para casa. O roteiro se sai bem ao dar espaço aos dramas de Augustine, seus vícios, traumas e sua obsessão em cumprir seu trabalho e ainda tendo que lidar com a presença de uma criança enquanto tenta cumprir sua missão.

Por outro lado, faltou um desenvolvimento melhor da tripulação da estação Aether que é composta por: Sully (Felicity Jones), Adewole (David Oyelowo), Mitchell (Kyle Chander), Sanchez (Demián Bichir) e Maya (Tiffany Boone). Todos ali têm um drama pessoal que o roteiro tenta dar espaço durante a trama, alguns até funcionam como é o caso de Mitchell e Maya, mas no final das contas acaba soando insuficiente para que o expectador invista nestes personagens e realmente sinta uma conexão genuína na jornada deles. O Céu da Meia Noite é basicamente uma mistura de O Regresso (The Revenant, 2015) com Gravidade (Gravity, 2013), em diversos momentos ele consegue ser um drama forte que realmente trata do isolamento humano enfrentando não só a vastidão do espaço sideral, mas também enfrentando a força da natureza e o fim da civilização que nós conhecemos. 

Ainda que o filme não seja livre de falhas, pessoalmente acredito que a narrativa funciona em muitos aspectos, pois mantém a atenção do expectador nas duas jornadas que estão sendo retratadas na tela, isso tudo, diga-se de passagem, devido aos cuidados técnicos da produção. Aqui temos uma fotografia magnifica que vai desde as paisagens geladas do ártico, passando pelas cenas externas na estação espacial até chegar nas paisagens alienígenas de uma lua inóspita. Outro destaque interessante é o design de produção bastante complexo e caprichado, assim como os efeitos especiais deslumbrantes, além é claro da trilha sonora magnifica de Alexander Desplat

Os destaques do elenco, apesar de muito bom, ficam por conta do próprio George Clooney, que aqui tem a personagem com o melhor desenvolvimento. Além disso o ator consegue atuar de uma forma bastante sólida conseguindo mostrar esse homem famoso pelos seus feitos científicos, mas que ao escolher o trabalho em detrimento da família, acaba por terminar seus dias isolado tendo que lidar com problemas de saúde. Outro destaque foi Felicity Jones no papel de Sully, ainda que falte um certo desenvolvimento, sua personagem é interessante por ter que lidar com a gravidez, relacionamento com marido vivido por Oyelowo e os diversos problemas que ela e sua equipe precisam enfrentar. David Oyelowo, Kyle Chander, Demian Bichir e Tiffany Boone, estão apenas ok, funcionam bem conforme a necessidade do roteiro, assim como a pequena Caoilinn Springall. 

De uma forma geral, O Céu da Meia Noite é uma boa ficção científica com pé no drama que trata sobre duas jornadas que apesar de diferentes, tem alguns pontos em comuns, ainda que falte conexões diretas entre os dois arcos retratados, o longa se esforça em mostrar a incessante busca humana pela conexão para preencher o vazio da própria existência, aquele isolamento interno que clama por respostas. O filme é um deleite para quem gosta do gênero, mas pode deixar muitos divididos pela desenvolvimento um pouco cadenciado e por não trazer respostas para muitas questões levantadas ao longo de suas duas horas, mas o interessante aqui é perceber os constantes conflitos internos dos personagens e como lidam com situações extremas ao se depararem com uma realidade que está fora de seu controle. No final das contas O Céu da Meia Noite trata sobre o fim de uma civilização e começo de outra, tudo isso retratado por personagens imperfeitos que precisam encontrar um denominador em comum para que a raça humana não seja completamente extinta. 


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