Mostra Cearense no 19º NOIA | Bendita Seja Feita a Tua Vontade – A representatividade LGBTQIA+ ganhando espaço

Bendita Seja Feita a Tua Vontade é um curta roteirizado e dirigido por Ed Borges e Wilson Ricarte e conta a história de Bendita, uma jovem travesti que retorna à sua cidade natal para a casa de sua amiga Kátia no interior, na tentativa livrar o seu irmão adolescente, Cândido, do convívio do seu pai, Tião, um homem homofóbico, alcoólatra e agressivo. Pode vir a passar despercebido ao assistir o curta, porém, a verdade é que a história de Bendita e sua família é a realidade de muitos jovens LGBTQIA+ do interior até a cidade grande. 

Logo no começo do curta nos é apresentada a vizinha de Kátia, mulher do interior, que imediatamente mostra desrespeito pela identidade de gênero das personagens presentes o que nos leva a uma relação muito importante do filme: Entre Bendita e Kátia. Amigas de infância, ambas têm uma na outra o apoio que provavelmente não encontraram na família e muito menos na sociedade. Kátia aparentemente vive sozinha e não vê Bendita há muito tempo, porém, mesmo assim, não hesita em ajudá-la na missão de tirar Cândido de Tião movida pela empatia e comovida com o histórico de violência vivido dentro de casa. 

Outro ponto a se destacar em Bendita Seja Feita a Tua Vontade é que, apesar de se passar no interior, a sua narrativa de agressão e preconceito não se limita as fronteiras interioranas. A violência e a discriminação contra a comunidade LGBTQIA+ é um retrato cruel e, infelizmente, fiel da nossa sociedade há muitos anos. Segundo dados divulgados pela ONG Transgender Europe, o Brasil é o país que mais mata transexuais e travestis no mundo inteiro e já vem liderando esse ranking desde 2008, sendo o Nordeste a região mais violenta. Entretanto a segregação não começa aí, pois a LGBTfobia, apesar de se enquadrar como crime perante a lei, se expressa dentro das mínimas situações cotidianas, que vão desde o preconceito na escola e no próprio ambiente familiar, como é o caso de Cândido e Bendita, até a dificuldade de acesso a saúde ou a garantia de direitos fundamentais para essa população. 

Agora passando para uma análise mais técnica, Bendita Seja Feita a Tua Vontade é uma produção totalmente universitária, mas que não deixa a desejar quando colocada em comparação com outros projetos que contam com um financiamento e um apoio maior. Desde escolhas de planos, direção, aproveitamento das locações e trilha até passando por detalhes que podem ser vistos como mínimos, por exemplo no momento em que Bendita está conversando com Kátia logo no começo do filme e pode-se ouvir de fundo a música “Planeta de Cores” da banda Tropykália que remete automaticamente a cultura do interior do nordeste, onde se passa o filme. Escolhas como essa fazem a diferença, não apenas na qualidade do filme em si, mas também na imersão do público na história que está sendo contada. Além disso, a escolha do elenco é outro ponto forte que o curta carrega. Atrelados com a preparação dos mesmos, os atores têm uma química e funcionam muito bem entre si. Com destaque para Diego Salvador que interpreta a Kátia e para Patrícia Dawson no papel de Bendita, as interações entre as personagens são envolventes e nos fazem criar um senso de empatia para com elas. 

Selecionado para a Mostra Cearense do Festival do Audiovisual Universitário Noia 2020, Bendita Seja Feita a Tua Vontade é tudo aquilo que o cinema precisa atualmente. Além da pauta discutida ser importantíssima, o curta carrega em si a representatividade de pessoas que não são retratadas na grande mídia com tanta frequência ou, quando são retratadas, o é feito de maneira errônea e pejorativa. Ver um filme como esse ganhar espaço e visibilidade em um dos maiores e mais tradicionais festivais de cinema do Nordeste é como uma mensagem que essas histórias merecem ser contadas, de forma justa e honesta, e, além disso, serem vistas pelo público.


Para saber mais sobre o 19º NOIA – Festival do Audiovisual Universitário, clique aqui.

Leia os textos de Elvio FranklinEric Magda e Thiago Henrique Sena, que fizeram parte do Júri da Crítica do festival como membros da ACECCINE (Associação Cearense de Críticos de Cinema) aqui.