Mostra Cearense no 19º NOIA | Assolado – Uma experiência sensorial no “Novo Normal”

No contexto desse ano atípico de 2020, é interessante pensar, tensionar e produzir expressões artísticas, apesar do ambiente do “novo normal” em que todos nós estamos vivendo desde o início do ano. Algumas das obras selecionadas para a 19° edição do Festival NOIA, foram realizados nesse período, e Assolado (2020), de Renan de Andrade, para além de ser uma obra produzida em meio ao lockdown e a pandemia de Covid-19, é um filme que retrata  o momento o qual vivenciamos até agora durante 2020, e sobre os sentimentos e conflitos que tendem a ser gerados por todo esse cenário através do experimentalismo presente em sua narrativa e realização, e também, nos trás uma crítica ao momento político e social que foram tomando de conta em meio a todo esse cenário específico, sem abandonar a característica da experimentação.

Usando-se de artifícios sensoriais ao longo de sua exibição, o curta gera uma certa identificação com o espectador ao pincelar, em pouco mais de cinco minutos, detalhes que podem parecer bobos, mas que muitos viveram nesses últimos meses durante, principalmente, na época do lockdown, e que alguns vivem até o presente momento. O tédio, a solidão e a monotonia são mostrados objetivamente através dos gestos e imagens que vemos durante o filme, principalmente em seu primeiro minuto, com duas sequências bem simples, porém cruciais, na experiência e que representa uma parte do discurso do realizador: uma torneira pingando água, em uma analogia visual bem construída. Os cortes rápidos ao se mostrar uma simplória feitura de um café nos trás a monotonia daquele ato e que permeia as simples coisas da vida que, de certa forma, nem percebemos tanto, mas que é bem mostrado em tela e conta muito sobre o que temos passado.

Ao se fazer uso da perspectiva em primeira pessoa, até por conta de ser uma obra onde o realizador, Renan de Andrade, atua sozinho em todas as frentes, o espectador é posto como protagonista, o que reforça todas as camadas sensoriais presentes em Assolado. Unidos a essa estética usada pela fotografia, o curta explora a parte da sonoridade, inicialmente de maneira incisiva e minimalista. Tal maneira de articulação sonora é usada na primeira metade da obra, na qual o espectador/protagonista é colocado em meio ao enfrentamento da solidão e angústia, e na união desses aspectos técnicos de fotografia, montagem e som, o filme, em sua primeira metade, constrói a exposição mais direta e simplista dessa colcha de sentimentos que permeia o curta em um espelhamento das vivências em meio ao Covid-19

Em sua segunda metade, os aspectos de caráter psicológico, juntos à contundente crítica político-social são explorados de forma mais veemente  no curta. A montagem se torna o fio condutor principal e somos colocados em meio às ruas vazias, e a imagens e falas que fizeram e fazem parte do dia a dia do Brasil durante esse período de pandemia. É interessante notar que a mescla desses elementos, imagens e sons, ainda dialoga com o primeiro momento de Assolado, mesmo sendo bem distinta a forma em que o curta se desenvolve em sua primeira e segunda parte. A ideia de espectador/protagonista também prossegue. Pode-se dizer que as imagens e áudios de arquivos usadas sustentam isso através de uma espécie de simbiose entre a desolação e a neurose criadas por todo o cenário.

Assolado é um ensaio fiel sobre o período em que vivemos, sendo uma obra direta que sabe causar empatia e reflexão ao discutir os mais variados aspectos que se fazem e se fizeram presente durante todo esse período de isolamento, das discussões pessoais até as que envolve todo esse cenário. O curta é certeiro e gera tensionamentos e discussões necessárias mesmo em sua aparente simplicidade.


Nathan Ximenes é um cineasta universitário, crítico, amante da 7° arte e de esportes desde que se entende por gente. Escreve sobre cultura pop em geral profissionalmente desde 2018, mas pensa sobre desde sempre.


Para saber mais sobre o 19º NOIA – Festival do Audiovisual Universitário, clique aqui.

Leia os textos de Elvio Franklin, Eric Magda e Thiago Henrique Sena, que fizeram parte do Júri da Crítica do festival como membros da ACECCINE (Associação Cearense de Críticos de Cinema) aqui.