Os 7 de Chicago – Urgente, relevante e atual

Filmes focados em julgamentos em tribunais são comuns em Hollywood. A maioria deles são dramatizados para contar histórias reais de injustiças e denunciar como a justiça as vezes é falha em julgar de forma justa sem alguma interferência política ou de alguém influente. O novo filme dirigido e escrito por Aaron Sorkin toca na ferida ao contar a história dos oito de Chicago no seu novo e urgente drama, Os 7 de Chicago (The Trial of the Chicago 7, 2020) que estreou na Netflix no dia 16 de outubro.

Para quem não está familiarizado, estes eventos contam a história dos protestos anti Guerra do Vietnã que tomaram conta da cidade de Chicago em 1968, protestos esses que começaram pacíficos, mas depois acabaram por se tornar violentos, sendo repreendidos de forma excessiva pela polícia, levando a prisão de mais de 700 manifestantes, dentre eles os oito líderes responsáveis pela organização do evento.

O longa de Sorkin é inteligente em situar seus espectadores começando a narrativa mostrando fatos importantes através de imagens verídicas durante o período que a história irá ser contada, como o assassinato de Martin Luther King, o assassinato do senador Robert Kennedy e o discurso decisivo de Lyndon Johnson ao povo norte americano, precisando recrutar milhares de soldados para lutar na Guerra do Vietnã. Estes acontecimentos, somados as milhares de mortes de jovens norte-americanos numa guerra estrangeira, geraram intensos protestos pelos EUA, levando a população insatisfeita com as políticas adotadas pelo governo vigente a saírem as ruas gerando forte instabilidade por todo o país.

No primeiro ato o roteiro consegue dar escopo a narrativa e apresentar bem seus principais personagens, temos aqui os ativistas Abbie Hoffman (Sasha Baron Cohen) e Jerry Rubin (Jeremy Strong), líderes do Partido Internacional da Juventude; Tom Hayden (Eddie Redmayne) e Davis (Alex Sharp), líderes do grupo “Estudantes para uma Sociedade Democrática”, que reúne uma coalização de 150 organizações que protestam para mudar o sistema e terminar com a guerra; o pacifista David Dellinger (John Carroll Lynch), coordenador do “Comitê de Organização Para Terminar com a Guerra No Vietnã”; os professores John Froines (Danny Flaherty) e Lee Weiner (Noah Robbins); além de Bobby Seale (Yahya Abdul-Mateen II), líder dos Panteras Negras de Chicago, formando assim os oito de Chicago.

Doze meses após esses incidentes que levaram as guerras campais entre ativistas e a polícia de Chicago no dia da “Convenção Nacional Democrática”, o Departamento de Conspiração Criminal do governo Nixon acusou o grupo formalmente de ter começado os conflitos do verão de 68. O filme situa-se exatamente em 1969, nos cinco meses de duração do julgamento destes ativistas, onde somos levados a testemunhar os advogados de defesa William Kunstler (Mark Rylance) e Leonard Weinglass (Bem Shenkman) tentando provar a inocência dos acusados enquanto os promotores federais liderados por Richard Schultz (Joseph Gordon-Levitt) e Thomas Foran (J.C. MacKenzie) tentam cumprir os objetivos do governo em achar um culpado pelos conflitos que deixaram o país em polvorosa.

É bom salientar que Os 7 de Chicago é um bom filme, que retrata um assunto pertinente de uma forma bastante direta, mesmo que a narrativa tenha bastante informação exibida na tela em sua primeira metade. Acredito que o roteiro é muito consistente, principalmente no que diz respeito a riqueza dos diálogos, muitas vezes salpicados de ironia, tiradas espertas e críticas ácidas atemporais. Neste ponto Aaron Sorkin simplesmente é um mestre, e aqui se mostra ainda mais perspicaz em usar esses diálogos para enriquecer as atuações de seu grande elenco.

No quesito direção, ainda acho que lhe falta um pouco de personalidade, apesar de alguns bons momentos, principalmente naqueles em que a edição se faz presente, onde as cenas do julgamento, ou em alguma conversa em um local fechado, é intercalado pelos antológicos monólogos do personagem Abbie Hoffman e flashbacks do conflito nas ruas de Chicago; a direção sofre um pouco para manter o ritmo, não que ele caia de uma hora para outra, mas certas cenas no julgamento carecem de emoção tornando o enredo menos envolvente no processo.

Onde esses pormenores acontecem o elenco entra para suprir as deficiências da direção. Como eu havia mencionado, o roteiro abre espaço para conflitos intelectuais, políticos e ideológicos muito ricos através de seus diálogos, e neste ponto as atuações começam a se destacar. Devo confessar que gostei de praticamente todas as atuações, mas três me chamaram mais atenção, Sasha Baron Cohen como Abbie Hoffman é um achado, hippie, meio maluco, inteligente, perspicaz e dramático na medida, Cohen consegue entregar uma performance bastante sólida. Ainda temos Yahya Abdul-Mateen II no papel de Bobby Seale que expõe a ferida aberta do racismo e o preconceito constitucional nos EUA dos anos 60 da forma mais cruel possível numa sequência revoltante na corte presidida pelo autoritário Juiz Julius Hoffman (Frank Langella), levando seu caso a ser julgado a parte dos outros sete companheiros de luta. Mark Rylance no papel do advogado William Kunstler também traz bom momentos, principalmente quando divide a tela com Frank Langella (ótimo e detestável) e Sasha Baron Cohen. 

Uma coisa que se deve deixar clara aqui é que Os 7 de Chicago, terá mais apelo para quem conhece bem ou estudou sobre a história desses eventos que ocorreram no final dos anos 60. Uma pessoa mais leiga talvez tenha dificuldade de conexão com a história e em entender completamente os conflitos. Porém, isso não deixa o filme menos interessante, pois ao retratar violência policial usando força bruta, abuso do sistema judiciário, política governamental para combater opositores, o longa ganha peso e autenticidade, sem falar que ao abordar as questões raciais, que aqui ganham contornos dramáticos, porém bastante atuais, a trama fica ainda mais densa e interessante de acompanhar, mesmo que as vezes não consiga aprofundar muito em alguns temas.

A segunda metade da narrativa do filme é ainda melhor, pois expõe vícios do sistema de justiça norte americano através do juiz do caso, sem falar na mão do governo sentida aqui a todo momento, querendo controlar a narrativa, tentando achar culpados a qualquer custo naqueles que possuem ideias diferentes. Os 7 de Chicago, vai se tornando ainda mais relevante à medida que você vai percebendo as injustiças cometidas em cima desses indivíduos que lutam para garantir sua liberdade de expressão, porém são sufocados por um sistema que insiste em estar certo a qualquer custo.

De uma forma geral, este longa dirigido por Aaron Sorkin tem muita a dizer, é urgente quando precisa ser, é vibrante quando precisa mostrar e é minimalista quando precisa expor o problema colocando tudo em evidência num julgamento cercado de polêmicas e discrepâncias. Os 7 de Chicago é um filme inteligente que, apesar de não ser perfeito, se torna bastante importante se comparado a quando abrimos um paralelo para nossa realidade atual e a polarização em que vivemos. Esta produção da Netflix não é só uma das melhores do ano, mas uma das mais importantes também, amparada por um roteiro inspiradíssimo, atuações de alto nível e uma edição bastante competente, temos aqui uma da obra que merece ser assistida e apreciada por aqueles que admiram o bom cinema.


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