A Grande Jogada – Nem Aaron Sorkin acerta sempre

Nos primeiros instantes de A Grande Jogada (Molly’s Game, 2017), ouvimos a voz da protagonista, Molly Bloom (Jessica Chastain), em off falando sobre uma pesquisa que fazia a seguinte questão: “o que pode acontecer de pior nos esportes?”. Lembrando disso agora questionei a mim mesmo: “o que pode acontecer de pior num filme?” e, após refletir um pouco, concluo que, hoje em dia mais do que nunca, o que de pior pode acontecer num filme é criar excessiva expectativa. Já falei sobre isso a muito tempo atrás e venho falando cada vez mais desde então. E isso é especialmente difícil quando falamos dos grandes blockbusters de heróis ou de franquias que amamos, já que o marketing predatório adora vender o filme que jamais iremos ver, mas muitas vezes esta armadilha é montada por nós mesmos, quando admiramos algum cineasta.

Foi exatamente isto que aconteceu comigo neste filme. A Grande Aposta é a primeira experiência de direção de Aaron Sorkin, mas o que mais importava para mim é que o roteiro, claro, é escrito por ele, área em que demonstra um experiência invejável, especialmente se tratando de roteiros adaptados de livros sobre pessoas/histórias reais. Sorkin me chamou a atenção pela primeira vez quando descobri a série The Newsroom (2012 – 2014), criada e escrita por ele, sobre os bastidores de um importante telejornal. Os diálogos e suas reações eram tão rápidos que era quase impossível piscar durante os 50 minutos de cada episódio. Aquilo parecia um ballet super coreografado, com um timing perfeito, o que me deixou completamente impressionado. Depois descobri que Aaron Sorkin já era aclamado como roteirista de séries pela famosa West Wing (1999 – 2006) e que dois filmes que me deixaram impressionados pela agilidade do roteiro nos diálogos e na montagem foram escritos por ele, A Rede Social (The Social Network, 2010), pelo qual levou o Oscar de melhor roteiro adaptado, e O Homem Que Mudou o Jogo (Moneyball, 2011). Pouco depois, em 2015, ele escreveria um filme que seria um dos meus preferidos daquele ano, Steve Jobs (2015), três filmes com excelentes diretores diga-se de passagem, respectivamente David Fincher, Bennett Miller e Danny Boyle. A esta altura eu já estava totalmente fascinado. Então nada mais natural do que a expectativa pelo seu próximo filme estar alta, e mesmo que o temor pela sua primeira vez na direção pudesse atrapalhar, o elenco principal ainda contaria com dois atores que admiro bastante, Jessica Chastain e Idris Elba.

Mas infelizmente o filme só me trouxe frustração e decepção. É possível que a falta de experiência de Sorkin na direção tenha de fato atravancado o andar do filme, mas a impressão que eu tive (e o que me deixou mais triste) foi que o roteiro não era bom. A história é adaptada do livro autobiográfico de Molly Bloom, que narra suas peripécias ao conseguir se tornar uma das maiores gerentes de jogatinas de pôquer dos EUA, juntando milhões de dólares e com uma rede de influências no show biss de dar inveja a qualquer mafioso, para em seguida conseguir seguir o caminho inverso e perder tudo o que havia conseguido e ainda ser acusada e julgada pelas autoridades. Assim, o filme é dividido em três tempos. O Passado de Molly quando era atleta de esqui e mantinha uma complicada relação com o pai; um pouco mais a frente quando começa sua “carreira” de organizadora de jogos de pôquer, sua ascensão e sua derrocada; e por último – a parte que não se encontra no livro – quando ela é acusada e deve ir à julgamento por receber comissão sob os jogos, e é ajudada por Charlie Jaffey (Idris Elba), o advogado mais íntegro do mundo.

A história em si, não é a melhor de todas, parecendo sair de um best seller barato de banca de revista (o que de fato o é), mas nada que um bom roteiro não pudesse ter dado um jeito. Mas Sorkin parece querer levá-la com uma seriedade exagerada que acaba por atrapalhar o ritmo do filme. A montagem, que poderia também resolver este problema, no início parece que vai funcionar, fazendo algo parecido com o que vimos em A Grande Aposta (The Big Short, 2015), ágil e com inserções de images de TV ou fotografias para ilustrar o que está sendo narrado, mas parece esquecer o que estava seguindo no decorrer do filme se tornando algo totalmente diferente na segunda metade.

Ainda por cima o roteiro trás vícios e subterfúgios muito simplistas para resolver suas questões, como o diálogo entre Molly e seu pai no final, uma tentativa de redenção da relação entre os dois (e usar Freud ali foi um golpe baixíssimo) ou quando a filha do advogado está lendo o livro As Bruxas de Salém em alusão à própria protagonista estar sendo “caçada” por algo que não é culpada, o que para piorar é explicado com todas as palavras para o expectador.

Enfim, é triste ter uma decepção deste tipo, mas ao mesmo tempo serve como aprendizado, de que por mais genial que você possa achar alguém que você admira, se ele for humano a possibilidade de errar (e às vezes errar feio) estará sempre lá.