Por muito tempo, sejam em séries de TV, novelas ou em filmes, tivemos um molde (na maioria) específico quando o assunto tratava de ensino médio e as representações da adolescência nessa passagem. No caso de produções brasileiras imersas nesta proposta, sempre tiveram um cuidado em dialogar sobre muitas questões que norteiam a marcante fase até a vida adulta. O que não é uma regra todas as vezes abordar o gênero com narrativas complexas, nisso, precisamos de dramatizações que descontraiam enquanto saibam atingir o público alvo, e nos vários pontos em que se dá para encontrar uma abordagem proveitosa, é um desserviço quando a ideia se resume numa artificialidade incapaz de conversar. É onde entra o filme em questão. Entre a incrível inventividade de promover histórias, há também as investidas que não passam da sensação do que poderia ser ou, existem aquelas que nasceram fadadas a ruindade. Viih Tube: Amiga do Inimigo (2020) quis ser tudo, mas sua premissa novelesca, não convence.
É um meio comum: peças que viraram filmes, filmes que são remakes ou expandem o universo com séries (ou vice-versa), curtas-metragens adaptados para longas, e como no caso da série 3% (2016 – 2020), Amiga do Inimigo começou como uma websérie (Em Prova), até ganhar a chance de continuar a história em um novo formato. Como característica das produções Viih Tube, a sequela se vende por uma camada inovadora e de quebrar expectativas, graças a narrativa de sua protagonista. Se passando na unidade interna do Colégio Nosso Recanto, a trama misteriosa se dá depois que uma página no Instagram, intitulada Anônimo do Recanto, iniciar uma onda de exposições dos “podres” dos alunos, o que faz Bia (Viih Tube) desenrolar uma maneira de descobrir a autoria das postagens.
Para uma proposta onde a realidade em que o Instagram se torna uma porta de constrangimento para alguns e divertimento para outros, a façanha que se apresenta de forma dominante e sagaz, já se desvirtua um pouco uma vez que se tem ao alcance a denúncia da página com mutirões, ou intervenção do próprio colégio (com autoridades, técnicos em TI) – mas ninguém pensou nisso – considerando que o perfil conta com 1352 seguidores e além da bolha dos estudantes do Recanto, mas conseguiu chamar atenção de uma jornalista (?) – que serve para encher mais do ego de sacadas inteligentes que o roteiro de Bruno Alcântara (que também produziu e atuou) insiste em enfiar goela abaixo. Com índice de impacto tão baixo e desleixado assim, a coisa limita o suspense numa fantasia, a qual Bia tem que derrubar a réplica da Garota do Blog matriculada no Recanto.
O pontapé para adentrar a premissa vem dessa base. A identidade de quem esteja postando e que Bia disserta com o telespectador sobre tudo o que bolou e o desfecho dessa zona virtual que deslocou a normalidade do colégio. Mas Amiga do Inimigo (título que já diz que Bia conhece a Garota do Recanto) contraria o que estabelece conforme tenta assumir um caráter genial de reviravoltas, num exercício desgastante que, mesmo num plano de uma hora e dez minutos, o percurso guiado por Bia, indo e vindo com ponderações acerca da trama – reforçando que não é como aparenta ser – passa a impressão de um loop que perdeu a atenção da audiência e não percebeu, ao se atribuir nesse jogo fraco de querer surpreender num texto que não sustenta o próprio raciocínio.
Ao contrário de engajar a trama, Bia se torna uma guia das enrolações fáceis do roteiro para maquiar o show com surpresas, e no caminho, fica só a contemplação de momentos bolados e atuações risíveis. Excelente é a cena da festa de aniversário: figurantes desconfortáveis e aflitos para o desenrolar da encenação tosca, onde mais uma vez, o script estava crente de reações impactadas da audiência pelos elementos supostamente conscientes e geniais.
E no recorte novelesco da adolescência high school, encostado nas irregularidades, Amiga do Inimigo intenta aplicar a crítica do uso da internet como arma para caprichos egoístas, denunciando a falsa moralidade – o que fica só na ideia, pois o roteiro se perde fácil. Mas, não sendo poucas as futilidades do seu argumento, a produção carece de personagens inspirados, mesmo que Freio (Alcântara) e Chico (uJoãozinho) consigam funcionar de modo isolado ou até na sintonia cômica, podendo ser notada certa fluidez e esforço para uma história incongruente.
Na ponta deste mistério sobre a internet e o reflexo dos nossos comportamentos, a direção de Plinio Scambora faz seu provérbio: amiga do inimigo é seu inimigo.
Ama ouvir músicas, e especialmente, não cansa de ouvir Unkle Bob. Por mais que critique, é sempre atraído por filmes de terror massacrados. Sua capacidade de assistir a tanto conteúdo aleatório surpreende a ele mesmo, e ainda que tenha a procrastinação sempre por perto, talvez escrevendo seja o seu momento que mais se arrisca.