Chegando cinco meses depois que Apple TV+ entrou para disputa de streamings, Em Defesa de Jacob (Defending Jacob, 2020) foi logo abraçada mediante o quadro de isolamento que estamos enfrentando. Composta por oito episódios, a minissérie nos deu aquele gostinho de esperar semana após semana para degustar uma nova peça de um suspense televisivo envolvente. Porém, o preço de criar a narrativa perfeita, daquelas que faz você lançar teorias, foi aprontar o espetáculo de fisgar a platéia, e não passar da cortina metódica.
Numa pequena cidade em Massachusetts, o renomado promotor Andy Barber (Chris Evans), se vê na trincheira após seu filho de 14 anos, Jacob Barber (Jaeden Martell), ser considerado o principal suspeito pela morte de Ben Rifkin (Liam Kilbreth). Após o crime chocar a comunidade, resta para os Barbers o dilema: lutar pela justiça ou inocência pelo melhor da família?
Não se engane: Defending Jacob é eficiente. Só esta breve descrição acima aponta para um baita melodrama, mas que aqui funciona como um choque moral para a sociedade perfeita, ou de pessoas tão intocáveis no seu mundinho que não espera ser abalada: algo terrível aconteceu, mas não foi comigo, não foi com quem me importo, não foi com os meus. A tradicional família Barber é um exemplo assim. Um crime atingiu a cidadezinha, o admirado promotor segue em resolver mais outro caso da carreira – ainda bem que o Jacob não foi a vítima. Sacudindo a bolha, o ponto de virada é ter o primogênito na roda, – acusado de homicídio doloso -, tendo o que acreditava ao lado da esposa Laurie (Michelle Dockery) espremido contra a parede. A ficha ainda não caiu: seria o doce jovem que conheciam capaz de matar com as próprias mãos?
O cenário agora é outro. Onde estavam dispostos a dar apoio aos pais de Ben, torcer pela justiça e dobrar os cuidados em casa, se veem pondo a mão no fogo para defender o filho que convivem. A ironia golpeada de um jeito inesperado. Enquanto Jacob alega inocência, surgem os efeitos de se estar em tal situação: isolamento, assédio, a violenta acidez por ser um alvo fácil na mira da mídia e população ávida tendo algum culpado para apontar. A partir disso, a então empreitada criada por Mark Bomback, começa a munir a narrativa de drama policial e familiar com a crescente onda de mistério e dúvida impressas nos personagens. A defesa de Jacob passa a não fazer parte estritamente dos pais, e sim, a convidar também o telespectador para o valor de julgamento do jovem, conforme as informações surgem e incitam a tirarmos conclusões acerca do caso: culpado ou inocente?
Ampliando esse caráter, a boa sacada da dúvida reverbera nas figuras paternas, divergentes na aceitação e no que acreditam diante da circunstância. A culpa e absolvição lado a lado, inferindo os impactos de se ter a vida colocada do avesso repentinamente. Firmando, assim, um dos pontos fortes da produção ao refletir o quanto a tragédia atingiu níveis intensos para os Barbers, corrompendo a normalidade que criam minimamente poder alcançar novamente. Até onde quem conhecemos se torna diferente quando estamos do lado oposto? A conversa amistosa com um estranho voltará a ser comum, sem a sensação do julgamento constante? E o pior de tudo, a mudança de percepção sobre quem costumavam confiar. Contar com Evans, Dockery e Martell no elenco, elevou tais aspectos a nuances primorosas de serem apreciadas, com destaque para a atriz de Downton Abbey (2010-2015), que protagonizou momentos densos os quais pontuaram o peso e equilíbrio para a personagem, assim como o ator de It: A Coisa (It, 2017), convencendo e envolvendo através do seu Jacob apático e imprudente.
Embora Defending Jacob tenha alcançado tais nuances com seu suspense psicológico, mesmo para uma leva limitada de episódios, a estrutura narrativa e fórmula aplicada foi o elo fraco aqui. Telespectador arrastado a um enredo de crime que convoca a dúvida e mistério como motores? Nada de novo, mas a sagacidade que começou se perde em meio ao véu de fumaça de tentar parecer algo extraordinário. Se torna um desgaste oferecer tanta incerteza sobre algo que já tinha dado o recado ainda no primeiro tempo. E o flashforward enfadonho, se prova um artifício provocativo que no final não se compromete com a própria trama e nem com o que vinha desenhando, perante o texto repetitivo e cheio de especulações afoitas por atenção.
Em suma, o crime choca a pequena cidade, o elenco dá conta do que topou fazer, mas, então, sobra a trama que bate na tecla de querer surpreender com pedaços de um grande mistério e pouca entrega.
VEJA TAMBÉM
Ama ouvir músicas, e especialmente, não cansa de ouvir Unkle Bob. Por mais que critique, é sempre atraído por filmes de terror massacrados. Sua capacidade de assistir a tanto conteúdo aleatório surpreende a ele mesmo, e ainda que tenha a procrastinação sempre por perto, talvez escrevendo seja o seu momento que mais se arrisca.