Piratas do Caribe e Heróis do Olimpo – Reinventando tragédias gregas no século XXI

Desde que Rick Riordan anunciou em seu Twitter que a série de Percy Jackson seria adaptada pela Disney+ (YEAH), eu, como boa semideusa que sou, me vi na obrigação de reler as sagas dos Olimpianos e Heróis do Olimpo. E chegando no livro A Casa de Hades, temos um casal que sempre me chamou muita atenção, por serem personagens com histórias incríveis e que foram infinitamente injustiçados, tanto pelos deuses quanto pelos seus autores: Leo Valdez e Calipso. Ao desencadear dos acontecimentos entre eles, não pude deixar de notar algumas semelhanças entre sua história com as personagens de um outro universo (agora não muito distante dali, graças a nossa querida The Walt Disney Company) que seriam Davy Jones e a Calypso de Piratas do Caribe.

No segundo filme da série, Piratas do Caribe: O Baú da Morte (Pirates of the Caribbean: Dead Man’s Chest, 2006), conhecemos o Capitão Davy Jones (Bill Nighy), o terror dos sete mares, um homem do mar que se envolveu com aquilo que perturba todos os homens: o amor. Ele se apaixona por uma deusa pagã nomeada Calypso. Mas como sabemos, tudo na vida tem um preço, e Jones é sucumbido à tarefa de cuidar daqueles que morrem no mar e atravessar as suas almas para o outro lado, como uma espécie de “vigilante”. E assim, a cada dez anos, poderá ir à terra para ficar com aquela que ama. E como nós também sabemos, tem coisas na vida que não saem como o planejado, e quando Jones retorna à terra, a deusa não estava lá. Daí acompanhamos o desenrolar dessa trama nos filmes, mas o que quero com esse texto é tentar responder algumas perguntas que ficaram sobre o passado deles, e que não foram respondidas.

Por que Davy Jones teve que ser amaldiçoado para ficar com Calypso? Por que ela não estava lá mesmo amando-o? Nada é totalmente esclarecido nos filmes, mas por ser fã tanto dos livros de Riordan quanto da sequência de Jones, não pude deixar de perceber que a semelhança entre essas personagens ia além do nome de Calypso, mas também como elas compartilhavam de uma lenda em comum sob diferentes perspectivas de adaptações. No filme, a história de Davy Jones é contada sob o ponto de vista dele, mas e se na verdade todo o romance entre eles tivesse mais explicação através do passado de Calypso?

Existem várias versões para a lenda de Calypso, mas em todas elas, ela era um espírito do mar que durante a guerra dos deuses olimpianos contra os titãs, lutou ao lado de seu pai, o titã Atlas. Após serem derrotados, ela fora aprisionada em uma ilha, condenada a viver isolada para sempre. Sua punição não era física, mas sim, mental, pois de tempos em tempos, ela receberia a visita inesperada de homens e semideuses perdidos, aos quais ela se apaixonaria, mas eles nunca poderiam ficar. E assim, eles sempre iriam embora, enquanto ela ficaria sozinha novamente e teria seu coração partido por todo o sempre.

Calypso é anunciada pelo próprio Davy Jones como uma deusa.

Trazendo essa história para o universo de Piratas do Caribe, podemos deduzir que Jones fora um marinheiro que naufragou e se perdeu no mar, indo parar na ilha de Ogígia, o lar de Calypso. Eles acabam se apaixonando e Jones resolve libertá-la de sua prisão. 

“Pois para o que mais desejamos, tem sempre um preço a ser pago no final.”

Para quebrar a maldição da deusa, outra maldição deveria ser posta a ele. Ou seja, o preço para libertá-la, seria prender a si mesmo em Ogígia e ser condenado a vagar por dez anos no mar para viver um dia na terra, como já falamos.

O baú de Davy Jones.

No terceiro filme chegamos ao baú de Davy Jones: uma terra esquecida por Deus. O local é uma ilha deserta sem qualquer sopro de vento ou sombras de árvores, e sem o menor sinal de vida humana, exceto pela tripulação de Barbossa (Geoffrey Rush) que veio ao resgate de Jack Sparrow. É válido pensar que essa ilha seja a ilha de Ogígia a qual Jones se apossou ao libertar Calypso, e a tenha transformando na prisão de seus inimigos. Intitulada em sua lenda como o baú de Davy Jones.

Em Piratas do Caribe: No Fim do Mundo (Pirates of the Caribbean: At World’s End, 2007), os únicos animais que habitam a ilha são uma espécie pitoresca de caranguejo. Esses mesmos caranguejos interagem com Calypso (até então, Tia Dalma) quando ela chega. E tanto o colar que ela carrega em seu peito quanto a caixinha de música de Jones têm o formato do animal.

A ilha só pode ser encontrada por aqueles que sabem o caminho. 

Na mitologia grega, a ilha de Ogígia não pode ser encontrada duas vezes, exceto é claro, como no filme, por aqueles mais afortunados que sabem o caminho. Como o baú de Davy Jones é o local onde ele guarda as almas que morrem no mar, Barbossa que retornou dos mortos pela tia Dalma, sabe como chegar lá, então ela também deveria saber. Mas como é falado no filme, Barbossa apenas morreu. Jack foi levado de corpo e alma, não para um lugar de morte, mas para um lugar de punição. Segundo Calypso, a pior punição é viver para sempre. 

(Lembrem-se de que Jack fica tendo alucinações dentro da ilha por ficar muito tempo sozinho. Imaginem: como alguém deve se sentir por viver assim para sempre?)

“É a minha natureza”.

O homem não pode controlar o mar.

Calypso não vai ao encontro de Davy Jones por ser um espírito da natureza, ou seja, um espírito livre. Quando sua maldição é quebrada, ela finalmente pode viver em liberdade novamente após sabe-se lá quantos milênios presa, longe do mar e de tudo aquilo que ama. Inclusive ela amava Davy Jones, se não o fizesse, porque ainda carregar o cordão junto consigo? (Talvez ele só não tenha entendido que ela prefere relações não monogâmicas, mas isso é assunto para outro texto.)

Quando ela descobre que foi Jones quem ensinou a primeira corte da irmandade a aprisioná-la em forma humana, ela fica horrorizada e vai em busca de vingança. Mas o destino e o coração de Davy Jones sempre pertenceram a ela, independente de seus sentimentos serem recíprocos ou não. E ao morrer, Davy Jones é lançado ao mar, onde finalmente ficarão juntos para sempre.

***

Em Percy Jackson e os Olimpianos, Calipso apareceu pela primeira vez na batalha do labirinto e se apaixonou por Percy, entretanto, como todos os outros, ele não pôde ficar. Apenas mais na frente, há alguns anos depois é Leo Valdez quem encontra a solução para tirá-la da ilha.

Em suma, são histórias como essas que nos fazem refletir sobre como é magnífico o poder da arte de entrelaçar mundos, e nos fazer criar as mais diversas adaptações para as narrativas que amamos. Tornando-nos capazes de ressignificá-las, mas sem nunca perder a sua essência.


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