Esse texto abordará com leves spoilers alguns temas sensíveis tais como depressão, suicídio, abuso sexual tratados durante a série, portanto, precisando de ajuda, não hesite em acessar o site de apoio da série ou ligar para 188 — CVV, Centro de Valorização da Vida — ou de conversar com profissionais de saúde mental.
Se tem um consenso sobre 13 Reasons Why (2017-2020) é de que não deveria ter passado da primeira temporada. Não bastaram as críticas acerca de suas inconsistências e polêmicas que no ano seguinte lá estavam agravando o caso novamente. Era tapando o buraco e deixando outro aberto para as mesmas ponderações. Na trama de estreia, foram muitos os temas delicados que vimos abordar: assédio sexual, bullying, cyberbullying, depressão, estupro e suicídio. O que começou gerando uma boa recepção para o que se propôs a falar, recebeu o alarde necessário de psicólogos sobre o perigo da romantização narrativa através das fitas de Hannah Baker (Katherine Langford), o efeito de culpabilizar e o ponto mais agravante: a cena crua da jovem tirando a própria vida. A Netflix editou o trecho específico depois de muita resistência, porém, as controvérsias não cessaram.
Os problemas
O primeiro ponto se deu logo após renovar a série para a segunda temporada, já que o ciclo inicial foi baseada no livro homônimo de Jay Asher, o que significava que dariam continuidade de forma original. Mais 13 episódios chegaram possibilitando as críticas negativas: a duração maçante, a narrativa inconsistente, e além de mostrar um lado questionável de Hannah, o pior estava por vir quando trouxeram outra cena de estupro ao qual Tyler (Devin Druid) sofreu, e desta vez a sequência foi gráfica e exposta de maneira horrenda.
Ainda assim, aspectos positivos foram apontados quando reforçaram os avisos sobre o que seria mostrado nos episódios e com participação de conversas do elenco, o foco na luta de recuperação de Jessica (Alisha Boe) para ter justiça contra seu agressor Bryce (Justin Prentice), e por possibilitar discussões acerca de estupros ocorridos em escolas.
Ao divulgarem a notícia de que a série foi renovada não só para a terceira temporada, como também para uma quarta e última, e o anúncio sobre o pedido de aumento salarial do elenco principal, fez sentido quando no ano passado a trama parecia nada preocupada em fugir de polêmicas. Hannah Baker se tornou controversa anteriormente, para agora Bryce ser humanizado além de romantizar com o personagem deixando uma fita sobre seus arrependimentos. Não sendo isso pouco, inseriram uma nova figura no enredo, carregada de inclinações questionáveis, o que acabou pesando para a intérprete de Ani, Grace Saif.
O golpe baixo foi colocar os mesmos personagens citados nas fitas de Hannah, aqueles que estavam tentando sobreviver e cuidar um do outro, protegendo o autor por trás da morte de Bryce. Isso mesmo: humanizaram o homem, ele gravou fita e depois de aparentemente querer responder pelos crimes de abuso sexual, foi morto. Essa fórmula americana de elevar uma figura ao seu momento mais vulnerável como pessoa e depois matá-la não deixa de ser covarde e usada sempre.
Mais problemas no último ano
Assim como o ano anterior criando mistério sobre a maneira como Bryce morreu e quem o matou, 13 Reasons Why iniciou o seu final incitando o suspense para uma nova vítima, ao abrir com um discurso num funeral. Por isso, a pergunta não deixa de surgir quanto mais recapitulamos a trajetória da série: como algo que começou falando de temas tão sérios se confundiu misturando as problemáticas com a fórmula teen de dar falsas pistas de maneira apelativa? Chegou um momento que a trama parecia ser tirada de Eu Sei o Que Vocês Fizeram no Verão Passado (I Know What We Did Last Summer, 1997) ou Pretty Little Liars (2010 – 2017) — e ainda colocando avisos do que seria abordado. O mais decepcionante foi usar o estado de ansiedade, crise de pânico e estresse pós-traumático de Clay (Dylan Minnette) para inserir elementos destoantes na narrativa, sendo que queriam fazer do retrato do jovem um ponto de discussão sobre saúde mental — deixando a coisa mais chata ainda de assistir, foi jogar uma, duas, três, quatro ou mais manifestações de pensamentos invasivos semelhantes a alucinações durante os 10 episódios da temporada. Quem aguenta?
Além disso, criaram um clima de suspense sobre quem poderia estar cometendo atos de vandalismo e agido como um serial killer num acampamento — seria spoiler dizer que não foi surpresa a autoria de Clay já que o personagem se encontra em um estado crítico de pressão mental e sofrendo várias crises emocionais? Graças a inclusão de Gary Sinise como o psicólogo Robert Ellman puderam descamar sobre a personalidade do jovem de um jeito relevante.
Como de costume, a duração foi outro quesito que a série insistiu em recorrer até o fim — e putz, a finale tem 98 minutos…
Pontos positivos?
A trama da vez começou com o trechinho de um funeral, partimos para as crises de Clay se intensificando, com algumas figuras que não queriam acreditar que Monty (Timothy Granaderos) matou Bryce — mesmo sabendo que foi ele que abusou sexualmente de Tyler. Parte do enredo foi sobre os “justiceiros” jogando o cast principal contra a parede com princípios contraditórios, mas a série ainda tratava dos personagens sobrevivendo e tudo que passaram.
Tivemos Clay sofrendo no ápice com a depressão e ansiedade, a autodepreciação de Alex (Miles Heizer), a tendência autodestrutiva de Zach (Ross Butler), recaída de Justin (Brandon Flynn) com as drogas, Jessica (Alisha Boe) lidando com a superação e por se tornar voz de incentivo, movimento e resiliência. No geral, o estado de tristeza dos jovens era nítido, a ponto de não conseguirem transmitir outros pensamentos na entrevista admissional para faculdade.
O que a série conseguiu manter desde o início foi o âmbito escolar como o palco de muitos problemas da juventude, e aqui estenderam de vez a perspectiva de que os pais não estão prontos para conversar com os filhos, os agentes do Estado e meio estudantil não sabem como atender as necessidades do aluno, ou sequer se aproximar de uma resolução sem criarem ainda mais problemas — ou seria o reflexo dos roteiristas que também se perderam em como falar de maneira prudente com o público? O sexto e oitavo episódios da temporada foram os exemplos disso. Para uma escola que perdera quatro alunos em dois anos, incentivar leis de monitoramento, com guardas revistando, câmeras em todos os cantos, chegando ao absurdo de liberar uma simulação de tiroteio sem o consentimento dos discentes, não era a resposta acolhedora que os fariam falar de seus problemas, culminando num protesto após a prática racista policial, o que entrou na maneira arranjada de reivindicarem e dizerem que deliberar um estado opressor para se ter controle por uma falsa segurança que as autoridades esperavam exercer, não resolve.
Chegando aqui, neste final, não tem outro veredito: Os 13 Porquês escolheu por conta própria continuar a narrar a história que iniciou em 2017, mesmo que para isso emendasse um arriscado jogo como nas séries teens que geraram e geram entretenimento — hello, Riverdale (2017 -) —, se mascarando que ainda estava tratando com seriedade os assuntos pintados com suas polêmicas. Assim, do que adianta colocar avisos de conteúdo sensível, se ao mesmo tempo brinca com iscas de suspense de quem estaria ameaçando Clay e seus amigos com o segredo que escondem? Trazer um suposto tiroteio que depois se revelaria fazer parte de uma simulação pareceu mais desespero para cumprir a cartela de cenas polêmicas por temporada, já que o desenvolvimento antes do episódio estava aquém dos temas de doenças mentais discutidos aos mancos.
Aos menos, no seu último capítulo, para um projeto que se perdeu no propósito faz tempo, 13 Reasons Why lembrou com quem queria falar: adolescentes. Depois de tantas controvérsias e passagens pesadas, salientaram um fim otimista. Reforçaram a aliança de apoio mútuo que tantos personagens puderam construir acima de suas questões – as quais envolviam encobrir até assassinato. Há muitas outras séries como Crazy Ex-Girlfriend (2015 – 2019), Euphoria (2019 -), My Mat Fat Diary (2013-2015) e Skins (2007 – 2013) que falaram da juventude, depressão, suicídio, ansiedade e outros temas de saúde mental de maneira menos controversa. Mas na abordagem errada, no jeito torto, usando e extrapolando com a polêmica, esta original Netflix conseguiu gerar algum debate.
Ama ouvir músicas, e especialmente, não cansa de ouvir Unkle Bob. Por mais que critique, é sempre atraído por filmes de terror massacrados. Sua capacidade de assistir a tanto conteúdo aleatório surpreende a ele mesmo, e ainda que tenha a procrastinação sempre por perto, talvez escrevendo seja o seu momento que mais se arrisca.