13 Reasons Why – A importância do diálogo e da empatia

Coming of Age” é um dos meus subgêneros cinematográficos favoritos. São histórias que retratam o amadurecimento de crianças e adolescentes, discutindo os medos, inseguranças e descobertas que surgem nessa faixa etária, filmes como Me Chame Pelo Seu Nome (Call Me By Your Name, 2017) Boyhood – Da Infância À Juventude  (Boyhood, 2014), Lady Bird – É Hora de Voar (Lady Bird, 2017) e Conta Comigo (Stand by Me, 1986) se encaixam nessa categoria e sempre me chamam muita atenção.
Esse estilo de filme não necessariamente precisa ter como foco narrativo a escola, mas os que escolhem esse ambiente na maioria das vezes preferem suavizar os temas abordados, investindo no humor, focando nas festas estudantis ou não atribuindo a seriedade necessária a determinados assuntos. Ao meu ver, somente dois filmes desse gênero marcaram uma geração, conseguindo extrair ao máximo os temas abordados, promovendo discussões que duram até hoje: Clube dos Cinco (The Breakfast Club, 1985) e As Vantagens de Ser Invisível (The Perks of Being a Wallflower, 2012).
Apesar dessas duas obras serem excelentes, eles parecem não conversar muito com a geração atual, globalizada e cercada por tecnologia. É óbvio que eles ainda são relevantes, mas devido ao momento de desconstrução e questionamento em que vivemos, a dinâmica social sofreu uma clara metamorfose. Foi aproveitando esse vácuo do entretenimento na discussão desses temas delicados que a netflix lançou, em 2017, a série 13 Reasons Why.
A primeira temporada foi um sucesso gigantesco. Por duas semanas as redes sociais ficaram recheadas com as tags #NaoSejaUmPorque e #MeuPrimeiroBullying, resultando num diálogo bem produtivo e saudável. Entretanto, suicídio é um assunto deveras delicado apesar de ser muito frequente na nossa sociedade, afinal diversas celebridades morreram assim, Marilyn Monroe, Heath Ledger, Robin Williams, Chester Bennington, e mais recentemente o DJ Avicii. Apesar da presença de psicólogos no set de filmagem e dos avisos de gatilho, a série gerou algumas polêmicas com o público adulto, pelo fato de retratar o suicídio da protagonista em detalhes, de uma maneira bem plastica, fazendo questão de mostrar toda a dor e sofrimento que o ato pode causar ao indivíduo. Essa escolha foi contra as recomendações da OMS e promoveu discussões a respeito do Efeito Werther (que se refere a um pico de emulações de suicídios depois que um caso é amplamente divulgado).
A série criada por Brian Yorkey é baseada no livro de mesmo nome do autor Jay Asher. A trama conta a história de Hannah Baker (Katherine Langford), uma adolescente que cometeu suicídio e deixou para trás fitas cassetes, onde ela relata os 13 porquês que resultaram na sua morte. O primeiro ano usa a estrutura de flashbacks para contar a história, sendo o passado visto pelos olhos da Hannah e o presente visto pelos olhos do Clay Jensen (Dylan Minnette). O roteiro é bem amarrado e a série, por possuir personagens estereotipados, mas que tornam-se críveis devido às boas atuações, consegue discutir temas como amizade, abuso de drogas e bebidas alcoólicas, machismo, depressão, empatia, bullying, contágio social, assédio, stalkers, masculinidade tóxica, homofobia, consentimento, desarmamento, sexualidade, sororidade e estupro com franqueza para com o público jovem.
O programa conta com uma trilha sonora maravilhosa e tem um ritmo excelente, tendo em cada final de episódio um cliffhanger muito bem bolado que instiga o espectador a continuar acompanhando a trama. Apesar disso, quando finalizei a temporada e com isso pude ter uma visão de fora, me pareceu que alguns episódios foram esticados para caber no formato de 13 capítulos da netflix, podendo ter sido menores ou até mesmo mesclados entre si, como o episódio da fita da Sheri Holland (Ajiona Alexus), do Marcus Cole (Steven Silver) e do Zach Dempsey (Ross Butler).
Com o sucesso estrondoso da série, era evidente que uma continuação seria encomendada. Ainda assim, eu tinha 0 expectativas para a sequência e achava desnecessária a existência de uma.
É então que em 2018 a netflix lança a segunda temporada de 13 Reasons Why, agora focando no relacionamento entre pais e filhos, sem esquecer das consequências dos atos da protagonista no psicológico dos personagens. Isso tudo mesclado a uma dinâmica de tribunal, permitindo que os “porquês” possam contar o seu ponto de vista a respeito das suas relações com a Hannah, resultando no aprofundamento e na desconstrução dos personagens, dando uma dinâmica muito boa para a temporada.
Ao contrário do primeiro ano, onde acompanhamos apenas Clay e Hannah, na segunda temporada ocorre um equilíbrio entre os pontos de vistas dos diversos estudantes, gerando flashbacks novos que complementam os das fitas, além de, as vezes, acontecer de um mesmo flashback da temporada passada ser mostrado, mas agora sob outra perspectiva e com uma duração maior, mudando o pensamento que o espectador tinha para com aquela cena, assim, mostrando que as relações daqueles personagens eram mais complexas do que aparentavam ser nos relatos da Hannah. Fora isso, o programa também brinca com o que poderia ter acontecido se determinada frase fosse dita de uma forma diferente ou se determinado personagem tivesse dado a devida atenção na hora em que a protagonista pede ajuda.
O background e os problemas pessoais e familiares dos “porquês” também são explorados, transformando personagens secundários da primeira temporada, como Tyler Down (Devin Druid), em protagonistas, criando todo um novo núcleo escolar só para o estudante interagir, além de expandir o desenvolvimento dos personagens já importantes no primeiro ano, como Alex Standall ( Miles Heizer), Justin Foley (Brandon Flynn) e Jessica Davis (Alisha Boe). Ainda assim, alguns estudantes como Tony Padilla (Christian Navarro) e Courtney Crimsen (Michele Selene Ang) continuam bem mal aproveitados.
Infelizmente, a série escolheu adotar um artifício de roteiro bem medíocre para Clay. Ao invés de realizar uma trama mais introspectiva do personagem repensando o que aconteceu nos últimos meses, absorvendo as mentiras e verdades ditas no tribunal e tentando superar o suicídio para tentar seguir com a sua vida, o programa resolve trazer Hannah de volta como uma espécie de consciência para o garoto, colocando-a para agir em alguns momentos como um fantasma que assombra o estudante, conversando e dando conselhos a ele. Parece que os criadores não quiseram diminuir a participação da atriz e forçaram uma maneira dela estar em todos os episódios.
Como mencionei anteriormente, as relações entre pais e filhos é muito bem desenvolvida na segunda temporada. Explorando, praticamente, todos os diferentes núcleos familiares dos estudantes, desde os pais liberais de Clay, passando pelo pai autoritário de Alex, os pais ausentes de Bryce Walker (Justin Prentice), os pais protetores de Jessica, até a mãe reservada de Zach. Porém, a protagonista da temporada é Olivia Baker (Kate Walsh), a mãe de Hannah. Como é ela que está processando a escola, Olivia presencia todos os depoimentos dos alunos no tribunal e com isso seus pensamentos a respeito de quem ela achava que a filha era entram em conflito. A descoberta de como a vida social da adolescente era fora de casa, junto com as lembranças de momentos em que ela tratou os problemas da Hannah com certo descaso resultam em cenas emocionantes de reflexão e culpa.
A série focar seu segundo ano nos relacionamento entre as gerações familiares me agradou bastante. Muitos adolescentes não costumam se abrir com seus pais, seja por medo, vergonha ou receio das reações deles, do desapontamento, e do julgamento que pode acontecer. O jovem não costuma ver seus pais como amigos, devido a relação vertical que alguns adultos impõem para com seus filhos. Algumas vezes, alongando essas pontes de diálogo com formalidades, como chamar o pai por “senhor” e a mãe de “senhora”, por exemplo.
Vale lembrar que a relação de poder em uma família é extremamente desproporcional, seja pelo ponto de vista financeiro ou social, então, se desde cedo os pais não forem presentes, demonstrando ser um ponto seguro, honesto, com informação e sem julgamentos, para seu filho, na adolescência a criança pode guardar segredos e se fechar emocionalmente. Por isso é muito importante que essa discussão aconteça na série, assim conseguindo conversar com adultos e adolescentes a respeito desse tema. E seria melhor ainda se a discussão atravessasse a mídia e acontecesse entre as famílias que estão assistindo.
Ao meu ver, a escola tem um caráter mais social do que educacional. É nesse ambiente que aprendemos a viver em sociedade, entramos em contato com a diversidade e começamos a descobrir quem realmente somos ou quem gostaríamos de ser, afinal, a adolescência é a busca pela individualidade e isso entra em conflito com o que as pessoas esperam que você seja. Essa busca cria diferenças entre os indivíduos e diferenças resultam em bullying. Geralmente, a pressão social de se encaixar é tão grande que o jovem não vê o ato como algo errado, muitas vezes apenas reproduzindo determinado comportamento só para fazer parte do grupo. É por isso que o bullying frequentemente só é percebido depois de anos ou quando já é tarde demais.
Esse comportamento agressivo dos meninos tem muito haver com a masculinidade tóxica que existe na sociedade. O homem não pode chorar, tem sempre que ser o macho alfa, o pegador e qualquer traço feminino é reprimido, resultando na incansável busca do jovem por uma masculinidade idealizada, sempre tendo que se provar para os demais, e com isso extravasando a sua angústia naquele em que não segue a risca esses padrões. Um documentário que trabalha muito bem esse tema é o A Máscara Em Que Você Vive (The Mask You Live In, 2015), é uma pena que documentários são visto por muitos adolescentes como uma forma de empurrar ideias nas suas cabeças e isso resulta em um distanciamento das obras desse tipo. Isso também acontece bastante com programas educativos e palestras escolares. É por esse motivo que eu acho muito importante uma série discutir esses assuntos, a ficção consegue fazer o público se conectar e se identificar com determinado personagem, assim tornando o diálogo informal e horizontal, de adolescente para com adolescente, saindo do caráter vertical atribuído a pais e instituições.
Por fim, acho que o espectador é quem constrói a carga dramática elevada da série. Dependendo de como foi ou como está sendo o seu convívio na escola o programa ganha um caráter cada vez mais pessoal. Por isso, acho que o objetivo central da série é conscientizar o indivíduo que já fez ou faz bullying na escola, ajudando a pessoa a ter empatia e a refletir a respeito do que os seus atos poderiam ou podem causar. Claro, sem esquecer de conversar com as vítimas do bullying e os estudantes com depressão, mostrando que eles não estão sozinhos.
A nova temporada pode novamente gerar em alguns espectadores a sensação de que tem mais episódios do que deveria, talvez, pelo fato do mistério que cerca a trama parecer um pouco deslocado, não funcionando muito bem. Apesar disso, o novo ano usa o gancho da season finale anterior para construir uma tensão crescente, tendo o seu ápice no episódio 13, nos entregando junto a isso uma cena, talvez, até bem mais pesada graficamente do que o suicídio da Hannah. Entretanto, a série não se repete e mostra que seus personagens evoluíram e amadureceram como pessoas, nos proporcionando uma season finale com momentos bem emocionantes, além de deixar novos ganchos para uma terceira temporada.
A segunda temporada de 13 Reasons Why, ao contrário de sua predecessora, tinha que entregar um conteúdo a altura da expectativa do público, não contando mais com a surpresa de ser algo novo. Apesar dos novos episódios não conseguirem focar na sua trama principal, criando diversas subtramas, sendo algumas jogadas e sem fechamento, a série consegue manter a relevância e a qualidade, fazendo até referência a #MeToo em um episódio. Isso tudo sem deixar de inovar, aprofundando os temas discutidos no ano anterior e desenvolvendo seus personagens ainda mais, mostrando que com diálogo e empatia podemos ser pessoas melhores, ou pelo menos mais tolerantes.