Falar de adaptações, refilmagens e reboots é um tanto repetitivo quanto às inúmeras produções existentes e futuras da TV e cinema, mas não é nada injusto já que é a receita seguida pela indústria. Um caso recente além do que será abordado neste texto, foi a mais nova empreitada de Adoráveis Mulheres (Little Women, 2019), depois de filmes e séries criados desde que o livro de Louise May Alcott fora escrito. Se tratando de A Volta do Parafuso, novela literária de Henry James, passou diversas vezes pelos moldes narrativos de série – como A Maldição da Residência Hill (2018 -) –, peças e filmes – como o nacional Através da Sombra (2015), até chegar mais uma vez às telonas com o nome de Os Órfãos (The Turning, 2019). O resultado é o fracasso oriundo por se manter na cômoda fórmula americana de contar uma história.
Quer você se mude, ou tenha as melhores das intenções ao apostar numa coisa nova, é de praxe que no mundinho do horror a alegria não dura, por isso, ao seguir como babá dos órfãos Flora (Brooklynn Price) e Miles (Finn Wolfhard) para uma mansão em Essex, Londres, Kate (Mackenzie Davis) logo percebe que há mais segredos por trás do trauma dos jovens que perderam os pais.
Um efeito característico e presente até na própria obra de Henry James foi a dúvida imposta acerca do significado do livro: a crítica se mostrou dividida por muito tempo ao comentar a obra, apontando uma ambiguidade que o autor transmitia ao longo das páginas. Este mesmo efeito foi usado de diferentes formas nas adaptações da história, como no caso de Os Inocentes (The Innocents, 1961) e Os Outros (The Others, 2001), driblando a audiência com a narrativa bem amarrada para depois romper a reviravolta perfeita. Já em Os Órfãos, a volta no parafuso se resume em tentar reproduzir o que deu certo outrora numa produção de momentos.
A intenção da diretora Floria Sigismondi foi trabalhar com um filme de terror psicológico que conseguisse brincar com as impressões que o espectador teria e deixá-lo indeciso na conclusão do que acabasse de assistir, e para este fim nos fisga através de Kate, a futura governanta-babá que está indo de encontro a Flora e Miles na mansão. A atmosfera é de algo incômodo desde o primeiro momento que começamos acompanhar Kate. A fotografia segue o clima de solidão, segredos e obscuridade que rege dentro e fora da casa. Flora é uma menina gentil e encantadora, Miles é agressivo e intimidador e amedronta assim como a Srª Grose (Barbara Marten), a caseira, toda vez que conversa com Kate. Assim, a recém-chegada é tratada, com doce e hostilidade enquanto questiona acerca do lugar que pisa.
Planos abertos nos dão a dimensão do local e em planos mais fechados ficamos envoltos do desespero instaurado a cada jumpscare ou aparições presenciadas por Kate na mansão. Por um pouco, Os Órfãos demonstra ser mais uma daquelas tramas sobre o que fantasmas têm a falar da trajetória amarga que tiveram na sua forma humana e que a protagonista da vez precisa resolver para o bem de todos. O que se revela é história de abuso sexual, tortura física e psicológica até um fatídico final, estendendo os impactos em um garoto que tem em seu comportamento reflexos de uma influência de pressão e agressividade, e uma garota marcada pelo trauma do que presenciou. Tudo isso forma uma redoma de caos causados com a história que vivenciaram, que fortalece cada vez que é aconselhada a deixar de lado e não tratada.
Até aí, o que poderíamos concluir é um conteúdo pesado, na narrativa do terror, sendo ofuscado por uma execução que se arrisca em não ser o mais do mesmo, mas que tal dar mais uma volta no parafuso e ver no que dá? O ângulo muda para um plot twist constatando o óbvio sugerido nos primeiros minutos do filme: a sanidade é o que está em jogo. A tentativa de transmitir o miolo ambíguo do livro encontra aqui a sentença frouxa por se apoiar em um utensílio que não enriquece a história como cogitado, e sim espelha às voltas dadas querendo ser maior do que é enquanto cairia no lugar esperado.
A sensação é de que não há nenhuma surpresa. O filme não seduz. Não assusta, e apesar de contar com um elenco talentoso, mas parecia operar no automático, confiando no que pretendia fazer do que em como dialogar. Moral da história: há como piorar um longa tedioso, enroscando o parafuso.
Ama ouvir músicas, e especialmente, não cansa de ouvir Unkle Bob. Por mais que critique, é sempre atraído por filmes de terror massacrados. Sua capacidade de assistir a tanto conteúdo aleatório surpreende a ele mesmo, e ainda que tenha a procrastinação sempre por perto, talvez escrevendo seja o seu momento que mais se arrisca.