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Com um foco em expor a relação do governo americano com um droga chamada ‘Luz Verde’ e experimentos realizados na população de Freeland com intenção de desenvolver meta-humanos, a segunda temporada de Raio Negro (Black Lightning, 2018 -) acompanha a família Pierce agindo em conjunto. Ao longo da mesma a ideia de preconceito contra as pessoas com poderes é apresentado, algo comum nas histórias em quadrinhos. Mas focar em como esses personagens, em sua maioria negros, são vítimas disto, torna essa alegoria do preconceito ainda mais significativa. O potencial da série de explorar vivências de seus personagens e como a sociedade é, em sua maioria, responsável por perpetuar violências contra a população negra, se estende ao longo da segunda temporada, que ainda planta sementes para uma terceira temporada de forma cuidadosa, através da ameaça dos ‘markovianos’.
Os Pierce, como unidade e separadamente, não lidam com uma narrativa de enfrentar um vilão responsável por tudo, como outros heróis normalmente o fazem em séries, o antagonismo presente na série vem de muitos locais, mas diferente de série com vários vilões, cujo enredo se perde, como Punho de Ferro (Iron Fist, 2017 – 2018) por exemplo, Raio Negro consegue desenvolver os antagonismos de forma adequada sem se perder. Além de abordar temas importantes não muito tocados em séries do gênero, a série conta com um arco em sua segunda temporada onde a mais jovem da família, Jennifer, necessita de acompanhamento psicológico para lidar com suas experiências e seus poderes. Aos mesmo tempo onde muito se fala de traumas sofridos por super heróis, raramente os mesmo são mostrados valorizando os cuidados necessários para suas mentes e traumas.
A mitologia cercando o enredo e os personagens de Raio Negro nos quadrinhos não possui tanto material quanto outras séries de super-heróis, o que pode permitir ao time responsável pelo desenvolvimento dos roteiros trabalharem de uma forma mais livre, criando mais do que adaptando. A série também pega muito emprestado da lore de outros heróis e quadrinhos, em especial os Renegados, um grupo de heróis nos quadrinhos com o qual o Raio Negro é frequentemente associado. Com o propósito de dar uma ‘voz negra autêntica’ a série conta com uma equipe de roteiristas majoritariamente negros. O criador da série, Salim Akil, referenciou os Pierce como “os Obama do mundo dos super heróis” algumas vezes, assim como associou o protagonista a Martin Luther King e Malcom X. O mesmo também falou sobre a escolha de não lidar com ‘vilões da semana’ como normalmente as tramas de séries de super herói fazem.
Como já mencionado, a primeira temporada aborda temas como a vacinação de jovens negros anos antes da história e como as tais vacinas estavam relacionadas a experimentos nesses mesmos jovens. Akil relacionou essa narrativa a história real do ‘Experimento de Tuskegee’, onde o governo americano realizou um estudo usando homens afro americanos como cobaias. Por trás desses experimentos na série, temos a criação de uma droga conhecida como ‘Luz Verde’. A Agência de Segurança Americana se faz presente ainda durante a primeira temporada, envolvidos no experimentos da vacina responsável pelo surgimento dos poderes do protagonista anos atrás. Durante a temporada inicial é revelada a existência de crianças mantidas em cápsulas após manifestarem poderes meta-humanos há mais de vinte anos.
Inicialmente vendida apenas como uma droga altamente viciante e capaz de deixar seus usuários violentos e com mais força, a Luz Verde é um problema tanto para o Raio Negro quanto para sua identidade secreta, o diretor da escola Garfield High, Jefferson Pierce. Colocando em pauta o uso de drogas, a série aborda tanto o tráfico quanto os malefícios do vício e do mau uso, e é exatamente essa a área de estudos da personagem de Christine Adams como a neurocirurgiã Lynn Stewart. Um dos muitos antagonistas apresentados na série é a gangue ‘Os 100’, responsável pela venda e pela proliferação da ‘Luz Verde’ e também por muitos problemas causados à cidade de Freeland. É inclusive o controle da gangue sobre a cidade um dos fatores responsáveis por impulsionar o herói a voltar à ativa.
A primeira vista, o personagem Latavius ‘Lala’ Johnson (William Catlett), é um membro d’Os 100 colocado em conflito com Jefferson Pierce e apresenta-se como um possível antagonista. O mesmo é envolvido não apenas com o tráfico de drogas, mas também com assassinatos, tráfico de pessoas e prostituição, além de outras atividades criminosas realizadas pel’Os 100. Apresentado inicialmente como um vilão frio e disposto a tudo para manter o seu poder, após uma drástica mudança na sua ‘vida’ ele ressurge com habilidades estranhas relacionadas às tatuagens em seu corpo. Ao longo da sua jornada pelas duas temporadas, o personagem passa a receber alguma forma de orientação espiritual por parte de suas habilidades. Como antagonistas normalmente fazem, os de Raio Negro estão sempre conectados, tanto por suas alianças como por sua vontade de acabar uns com os outros. O verdadeiro responsável pelas ações d’Os 100 em Freeland é logo revelado ser Tobias Whale (Marvin Jones III).
Mesmo com antagonistas múltiplos, as duas temporadas da série colocam a família Pierce contra um governo capaz de explorar sua comunidade, gangues usando de violência e drogas para manter o controle, um sistema policial que atira primeiro e pergunta depois quando se trata sujeitos negros. Em sua primeira temporada os vilões da série seguem uma hierarquia, indo dos traficantes da rua até uma gangue responsável pelo tráfico que responde a ninguém menos do que uma organização governamental. Quando um dos vilões, um dos brancos mais especificamente, fala sobre como o dever de sua equipe – da Agência de Segurança Americana (ASA) – é “tornar a América grandiosa de novo” a série escolhe bem como mostrar as nuances dos verdadeiros vilões. Na segunda temporada, as coisas esquentam ainda mais entre a suposta hierarquia e se torna uma guerra entre os envolvidos enquanto são combatidos por Raio Negro e seus aliados. A escolha de usar vilões e situações mais palpáveis como problemas funciona de forma bem melhor do que vilões semanais. Para se assemelhar mais com histórias em quadrinhos, além de tudo, a série optou, a partir de sua segunda temporada, em separar seus arcos de história como “Livros” divididos em algumas partes.
As duas temporadas parecem ser complementares em todos os aspectos, a primeira servindo para introduzir os elementos do universo e seus personagens e a segunda para resolver enredos e aprofundar o desenvolvimento. As relações românticas da série passar a ser todas melhor aproveitadas e desenvolvidas ao longo da segunda temporada. Ao mesmo tempo podemos ver os heróis em ação trabalhando não apenas para expor o governo pelos seus experimentos mas também lidar com o antagonista Tobia Whale.
PS: Todas as temporadas de Raio Negro estão disponíveis da Netflix.
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Cineasta graduade em Cinema e Audiovisual, produtore do coletivo artístico independente Vesic Pis.
Não-binarie, fã de super heróis, de artistas trans, não-bináries e de ver essas pessoas conquistando cada vez mais o espaço. Pisciano com a meta de fazer alguma diferença no mundo.