Sergio – A diplomacia de uma boa atuação

Filmes baseado em biografias são algo complicado de produzir e adaptar, porque você precisa tentar ser o mais fiel possível, respeitando a memória da pessoa retratada, além de usar recursos cinematográficos que encaixem perfeitamente na história que quer contar, sem falar que escalar o ator ou atriz certo para o papel principal é primordial. Muitas obras se saem bem quando conseguem balancear todos esses elementos – Ray (2004), Piaf Um Hino ao Amor (La Môme, 2007), Olga (2004), Meu Nome Não É Johnny (2008) e O Lobo de Wall Street (The Wolf of Wall Street, 2013) -, mas outras que não conseguem o mesmo resultado e são salvos pela boa atuação de seu protagonista – A Dama de Ferro (The Iron Lady, 2011)  e Judy: Muito Além do Arco -Íris (Judy, 2019), coincidentemente este é o caso da nova biografia baseada na vida do famoso diplomata brasileiro Sérgio Vieira de Mello.  

A figura de diplomata é pouco conhecida, é um trabalho de bastidores árduo, perigoso e que mexe em vespeiros para tentar encontrar o caminho do diálogo em territórios cheios em sua maioria hostis. O longa Sergio (2020), dirigido por Greg Baker (Manhunt: The Inside Story of the Hunt for Bin Laden) acompanha exatamente a história de Sergio Vieira (Wagner Moura) e sua trajetória como diplomata até seu trágico desfecho. A narrativa é baseada no livro de Samantha Power Chasing The Flame: One Man’s Fight To Save The World (Traduzido aqui como: “O Homem Que Queria Salvar O Mundo”), mostrando Sérgio na maior missão da sua carreira como emissário da ONU na tentativa de construir uma ponte para uma transição pacifica de governo no Iraque em meio as tensões crescentes entre o país muçulmano e os EUA.

O longa inicia muito bem situando o espectador sobre a missão de Sérgio em Bagdah evidenciando o jeito proativo e decidido do diplomata, a fotografia limpa, a produção caprichada e a direção até boa inicialmente dão um tom consistente ao drama até chegar no atentado no quartel general na ONU em 2003. A partir desse ponto, acompanhamos o drama do personagem embaixo dos escombros enquanto somos levados a conhecer a persona de Sérgio em flashbacks e é aí que o filme começa a ser perder.

O recurso utilizado para contar a história funciona na maior parte do tempo, os primeiros flashbacks são bem inseridos, enquanto o personagem encontra-se vulnerável no presente, vai relembrando seu passado entre delírios e lembranças, assim o roteiro de Craig Borten (Clube de Compras Dallas) vai tecendo a história de Sérgio, quem era a figura por trás daquele profissional que ganhou fama e status depois de sua bem sucedida missão em fazer a transição do governo de Timor-Leste, antes sob o domínio da Indonésia colocando um fim a um conflito que durou quase dez anos.

É interessante notar como o roteiro tenta constantemente humanizar o diplomata em Timor Leste, momento, inclusive, quando conheceu sua esposa, a argentina Carolina Vieira (Ana De Armas), porém, a narrativa começa a ficar truncada demais em alguns momentos quando o diretor começa a inserir mais flashbacks, mais cenas dentro dos próprios flashbacks, tornando a experiência um pouco maçante e sem o foco do início do primeiro arco que fazia o filme funcionar. Outro problema é o fato de o filme estender demais no arco do romance entre Sergio e Carolina, que toma boa parte da história, enquanto cenas mais interessantes sobre o relacionamento complicado com os filhos é resumido em praticamente duas cenas.

O filme se sai melhor quando foca na parte política e quando evidencia a figura de Sérgio como um grande negociador, o personagem sabe articular, sabe ter jogo de cintura com uma boa autoconfiança e bastante fé ao enxergar o lado bom das pessoas, este tipo de desenvolvimento realmente ajuda a engradecer a figura do diplomata. A verdade é que mostrar essas características só foi possível graças a atuação marcante de Wagner Moura, o ator entendeu bem a figura de Sergio conseguindo trazer um carisma ao diplomata poliglota que se mostra bastante articulado e com um espírito capaz de realmente mudar o mundo. Nas cenas mais dramáticas Moura se mostra ainda mais amadurecido em termos de atuação.

O resto do elenco mostra um trabalho sólido, ainda que eu sinta que estejam um pouco destoados, demostrando em alguns momento pouco entrosamento, a única que convence melhor é Ana De Armas, mostrando uma entrega maior, conseguindo fazer de Carolina uma pessoa apaixonada e determinada em total sintonia com a figura de Sergio, tanto que Moura e De Armas tem uma boa química em tela.

De uma forma geral, “Sergio” é um drama que carece de mais consistência, o primeiro arco é muito bom, mas o filme se perde muito no segundo arco, porém retoma o eixo no terceiro, trazendo a história para um desfecho bastante dramático e concluindo o longa de uma forma respeitável, mas o seguimento mais lúdico do filme, com belíssimas cenas no mar do Rio de Janeiro, mostra que algo se perdeu na narrativa, os problemas de edição e direção ficam muito em evidência na maior parte do filme, dando uma sensação que dava para ter um resultado melhor. 

A verdade é que a atuação de Wagner Moura é o que segura a narrativa, até quando o roteiro é menos polido, a energia da performance do ator trás algo diferente para a cena mostrando que a história de Sérgio Vieira é interessante, grande e importante o bastante para ser contada, um brasileiro que virou cidadão global e que queria pacificar um mundo em conflito, sucumbindo precocemente  por causa de um ato terrorista do Estado Islâmico, o filme conta uma parte dessa história, mas poderia se aprofundar ainda mais na vida desse carioca que teve papel importante na ONU e no cenário internacional, mas que ainda é pouco conhecido dos cidadãos brasileiros.