Never é mais uma produção da Vesic Pis, um coletivo audiovisual independente cearense e sem fins lucrativos que está por trás da criação dessa websérie. O enredo nos apresenta Roberto (Wallysson Campos), uma pessoa com poderes de telepatia, e seu amigo Thomas, nos inserindo dentro dos seus problemas e a rotina que ambos levam para tentar pagar as contas no fim do mês. A trama se desenvolve com o envolvimento de Capitão (Luca Salri), um agiota conhecido e muito poderoso, que ao conhecer as peculiaridades do protagonista, força Roberto a ajudá-lo, quando seus devedores estão sendo misteriosamente executados.
Atualmente em sua primeira temporada, Never conta com cinco episódios que oscilam por volta dos vinte minutos cada, tempo o suficiente para tornar a narrativa instigante e alimentando a ansiedade do público por mais. A prova disso está no fato de que a primeira temporada já soma duas mil visualizações na sua plataforma e diversos comentários com elogios da audiência.
Never também se destaca por sua elevada qualidade técnica que vai desde as atuações e preparação do elenco até as escolhas da direção e fotografia e, especialmente, do roteiro. Tudo isso em conjunto contribui para uma experiência diferenciada e que, sob a minha ótica, alimenta o tom de suspense e mistério que a série pretende passar. O último episódio é um dos meus favoritos. Dirigido por Mari Ellen, é um ótimo encerramento para a primeira temporada e eleva a um novo patamar de expectativa, não apenas para uma possível continuação, mas também para conhecer mais sobre as produções da Vesic Pis.
Falando em Vesic Pis, para quem já conhece o trabalho da produtora, sabe da importância da representatividade nas suas produções audiovisuais. Com Never não poderia ser diferente. Mesmo não sendo necessariamente o foco da narrativa, Never traz personagens LGBTQI+ fortes e com personalidades diferentes entre si, que segue desde Roberto, o protagonista da série, que é bissexual, passando por Ozma (Willi Sales), uma mulher lésbica e uma ótima combatente ou até mesmo chegando em Gaia (Glen Morais), também conhecida como Rainha Vermelha, que não enxerga finalidade em manter relações românticas ou sexuais.
Pode parecer algo irrelevante ou simples, mas a Vesic Pis se preocupa com a representatividade dentro e fora das telas, fator que infelizmente não é o comum nas grandes produções que conhecemos, pois vivemos em uma sociedade altamente regrada pela heteronormatividade e homofobia associada com o machismo e anos de opressão. Lentamente isso vem sendo mudado, e pode-se dizer que Never é a cara do audiovisual jovem e independente que busca não apenas o entretenimento, mas também desconstruir padrões arcaicos e contar histórias com personagens LGBTQI+ que não são somente sobre ser LGBTQI+ e sem reforçar estereótipos caricatos que em nada agregam na comunidade.
Nesse sentido, Never quebra a velha ideia de um cinema produzido por homens brancos por se preocupar em trazer uma equipe diversa e também para comunicar para um público que é tão diverso quanto. Ao assistir, é perceptível a sintonia entre a própria equipe em se ajudar e o quanto isso é essencial para uma produção sair do papel de forma bem feita. Além da direção de Mari Ellen, os demais episódios também contam com nomes como Wallysson Campos, Nathaniel Maia e Evaldo Santos, alunos do curso de Cinema e Audiovisual da Universidade Federal do Ceará, como a maioria da equipe.
Além da representatividade LGBTQI+, Never também levanta pontos acerca da população periférica e marginalizada pelo restante da sociedade. Logo no segundo episódio, um diálogo entre Roberto e Capitão – o antagonista da trama – chama atenção para o fato de que em bairro burguês “até as empresas de ônibus dizem que a periferia não é bem vinda”. A importância desse debate nos leva a pensar sobre o sistema hierárquico e capitalista que consome a sociedade onde os mais ricos exploram aqueles vistos como abaixo deles. Um ciclo parasita que rege os meios de produção.
A primeira temporada completa de Never se encontra disponível gratuitamente no canal da Vesic Pis no YouTube, onde você também poderá encontrar outras produções. Uma websérie modelo de como se encontra o mercado audiovisual independente atualmente e que precisa de apoio, pois merece (e deve) crescer cada vez mais.
Estudante de Cinema e Audiovisual e extremamente taurina com ascendente em peixes. Apaixonada por musicais, Harry Potter e filmes de terror. Talvez um pouco perdida, mas tentando encontrar o seu lugar no mundo.