Resgate – Tão frenético que compensa a história genérica

Quem precisa de super-heróis quando se tem um brucutu para combater? Dos clássicos às mesmices vergonha alheia, a Sétima Arte traçou décadas trazendo homens exalando testosterona, enfrentando tiro, porrada e bomba em nome do entretenimento. A prova de que a figura não cansa para a indústria é tanta que Os Mercenários (The Expendables 2010 -) conta com três filmes (e um quarto em fase produção), compondo o elenco com os melhores brucutus. Assim, era esperado que Resgaste (Extraction, 2020), estreia da Netflix, nomearia Chris Hemsworth como o mais novo membro dessa saga de perfis ligados pelo que sabem fazer de melhor. E sim, ele se uniu a liga, com muita personalidade, mesmo com um apelo genérico.

Adaptação da graphic novel Ciudad, de Andy Parks e os irmãos Russo, a trama é centrada em Tyler Rake (Hemsworth), um mercenário do mercado negro que recebe a missão de resgatar Ovi Mahajan (Rudhraksh Jaiswal), um garoto de 14 anos, filho de um chefão do crime. As coisas se mostram complicadas quando forças contrárias investem para impedir o resgate, revelando a guerra internas por trás da ação.

Antes mesmo de nos situarmos na história, a película já nos brinda com exemplares da bela combinação da locação, finalizada com uma cinematografia banhada em filtros amarelos, esverdeados e vermelho, caracterizando o cenário central da produção marcada pelas casas, forros, bancadas e pessoas das ruas de Dhaka, Bangladesh. Ao conhecermos Tyler, não restou dúvidas que o brucutu aguentaria de tudo: vestido com uma armadura agressiva e arrogante, a caricatura defensiva de alguém que não quer se abrir, mostrou de maneira exagerada que o personagem tinha uma relação de trauma e conexão com o mar. 

Tudo isso narrado de maneira dinâmica e eficiente, enquanto não estávamos preparados para as sequências desenfreadas de ação que lançam um rumo frenético com movimentos bruscos da câmera, dando um up a porradaria e tiros que seguem corredores, escadas, terraços e ruas. Por esta escolha, a primeira direção de Sam Hargrave em um longa-metragem brilha ao abrir mão de planos abertos com cenas de perseguições de carros, explosões e destruição, nos entregando planos fechados intensos de violência, vibrando com sangue, suor e fotografia excitante.

Ter um cineasta que também é dublê por trás das câmeras só beneficiou este estilo de filmagem, que almeja deixar o espectador mais envolvido no centro da ação e dá uma pegada mais crua para o que se desenrola. O que temos aqui são tomadas com golpes de lutas coreografadas em um ritmo sufocante, que destacam a aposta de qualidade da direção. A boa notícia é que, se rolar comparações a outras produções empenhadas na mesma dança, Resgaste conseguiu oferecer o seu número com identidade.

O tropeço em meio a ação infrene se dá ao interromper o jogo incisivo para adentrar ao arco dramático dos personagens. Debaixo de toda sagacidade e prontidão física de Tyler, há o conflito interno de culpa, perda e angústia reprimida, enquanto para o doce jovem Ovi a carência de afeto, referência de ideais e cumplicidade, o que termina refletindo sentimentos que os complementam e os vulneram: a redenção e a paternidade. A necessidade de ambos se revela em um momento inesperado da sobrevivência e missão.

O balanço no filme que intenta ser grandioso na ação e ainda assim mostrar seu lado humano, não se apoiando apenas em causas para justificar um entretenimento afoito, poderia soar mais equilibrado se tivesse mais desenvolvimento no drama: a maneira que surge a descamação dos personagens se acomoda sendo uma ponte rápida de intervalo para preparar o ápice comovente, mesmo que Chris e Rudhraksh estão ótimos contracenando expondo suas fragilidades.

Em suma, esta união diferente da Marvel com roteiro de Joe Russo, estrelada por Chris Hemsworth e dirigida pelo dublê do Capitão América rende um divertido atrativo de 100 minutos de duração, podendo, no final, ser concluída como uma ação que compensa a história genérica de redenção. E mais um dia foi salvo por um brucutu.