Na história do cinema, é mais que notório a presença de reboots e remakes (principalmente americanos). Também é muito provável que aquele filme que você acabou de assistir e amou se trata da décima versão existente, e em casos mais engraçados, é achar a história única, quando na verdade ela está ligada a um longa francês, coreano, italiano que Hollywood não cansa de aproveitar. Na pauta da vez, depois de 13 anos, Natal Sangrento (Black Christmas, 2019) voltou em sua terceira investida, mas que acabou não vingando por mal se desenvolver.
De tantas refilmagens que existem e surgem, um questionamento é comum: qual a diferença de um para o outro? Ou, o que pode acrescentar de relevante? Lançado em 1974, Noite do Terror (Black Christmas) é até hoje relembrado positivamente pela sua qualidade ao subgênero slasher e também da trama que trazia à noite de Natal horror e morte para as jovens pertencentes a uma fraternidade, sendo vítimas de um psicopata que as assediava com trotes doentios e tons eróticos antes de matá-las, evidenciando, ali, a violência de gênero. Já em 2006, o segundo remake, Natal Negro (Black Christmas) manteve a república universitária, clima natalino, mas acabou sendo detestado pelo crítica especializada. Por isso, foi animador ver que pela primeira vez a trágica história seria dirigido e roteirizado por mulheres, já sendo este um motivo para a produção se destacar.
O arco é o mesmo: no frio aconchegante das festas de fim de ano, estudantes de uma universidade são perseguidas por um psicopata e mortas uma a uma. Para uma história que em si é um retrato da violência contra a mulher (desde a forma que o assassino se manifesta), o roteiro da também diretora Sophia Takal, em parceria com April Wolfe, não poupou tempo para explorar o material base e falar de temas como estupro, assédio, machismo e feminismo, todos os assuntos debatidos no espaço da fraternidade. Ter esse background foi um dos pontos mais pertinentes e que conseguiu gerar interesse para a produção, por afinal ser o tipo de filme que mostra querer ser levado a sério em suas questões.
Ao contrário de só trazer a violência em favor do slasher, a dupla ousou por debater acerca da cultura do assédio e abuso sexual, o problema é que mesmo demonstrando tal investida, o longa não conseguiu estabelecer muito bem o quarteto de protagonistas que queria vender, dividindo momentos que poderiam ser usados para desenvolvê-las com cenas de mortes sem tensão completamente entregues a previsibilidade. Logo, fica evidente que Natal Sangrento é um exemplo de quando uma ideia não atinge o potencial que tinha por deslizar na execução.
Não é a primeira vez para o subgênero as apostas em personagens femininas fortes, e a mensagem de girl power e subversões, tanto que temos nomes como Sidney Prescott, Laurie Strode, Pamela Voorhees, e o que O Massacre (The Slumber Party Massacre, 1982) fez, e no caso do slasher natalino aqui, assumiu o caráter feminista com precisão ao colocar mulheres que não aceitariam ser mortas sem lutar. E para o grande choque da audiência, foi interessante ver o quanto o filme estava disposto a ir longe sendo simbólico para falar do que se propôs, entretanto, o tiro no pé foi não desenvolver de maneira coesa o que pretendia.
Para um subgênero que no seu histórico trouxe típicas cenas de mulheres sendo perseguidas, é louvável ter uma produção que contesta isso apontando a problemática de que há jovens meninas sendo mortas, assediadas, violentadas. Além de que o filme almeja provocar reflexão ao trabalhar em cima de uma analogia a respeito de como o movimento feminista é visto pelos homens, como nem todas as mulheres defendem umas às outras ou apoiam a causa, em contrapartida, traz o contraste da masculinidade tóxica (e foi genial representar através de uma substância preta), homens que não querem pertencer à cultura patriarcal e machista, e os que acreditam que o papel da mulher é ser submissa, homens que acreditam que as mulheres precisam ser defendidas por eles. Tudo isso Natal Sangrento inseriu no mesmo pacote de um filme slasher.
A perda de controle se dá quando o filme transita dos relatos de violência para adentrar à parte simbólica e explicar qual a lógica que rege toda mitologia que estamos assistindo. Foi uma soma mal calculada, a mistura de ingredientes que não atingiram a receita, o bolo que depois de tirado do forno despedaça por todos os lados: no terceiro ato não parecia ser mais a mesma película que acompanhamos por quase uma hora de duração. E para estragar mais o resultado, ainda entregaram diálogos caricatos como se fossem a cereja que a obra precisava para ficar perfeita.
Como um slasher, Natal Sangrento pode desagradar para quem queria cenas de perseguições bem boladas. Quem esperava um remake que superasse o de 2006, vai se deparar com um reboot que tenta ser tudo e desperdiça o que poderia ser de melhor. Para quem conhece o clássico, vai entender que esta segunda investida em recontar a história visou a relevância de falar sobre a violência contra mulher e perigosa autoestima masculina. Como um filme, Black Christmas deve agradar pouco e será lembrado como mais um filme de terror que desmerece o gênero.
Ama ouvir músicas, e especialmente, não cansa de ouvir Unkle Bob. Por mais que critique, é sempre atraído por filmes de terror massacrados. Sua capacidade de assistir a tanto conteúdo aleatório surpreende a ele mesmo, e ainda que tenha a procrastinação sempre por perto, talvez escrevendo seja o seu momento que mais se arrisca.