O personagem que inspirou Bloodshot (2020) foi criado em 1992 por Kevin VanHook e Yvel Guichet, inicialmente como coadjuvante de uma revista da editora Valiant Comics, mas logo depois ganhando publicação própria. No entanto, o Bloodshot que vemos nesta adaptação para os cinemas, estrelado por Vin Diesel e dirigido pelo novato Dave Wilson, só surgiu em 2012 com um reboot do personagem, tornando-o mais moderno para os dias atuais. A premissa do filme, assim como do reboot das HQs, fala sobre Ray Garrison, soldado de elite do exército americano que é assassinado por terroristas após ver a morte de sua própria esposa. O corpo de Garrison é doado pelo exército para uma iniciativa privada conhecida como Projeto Espíritos Ascendentes, que usa de uma avançada tecnologia para aprimorar seres humanos que sofreram algum tipo de lesão ou perda corporal. Reviver Garrison e transformá-lo em um super-soldado é o projeto mais ousado da iniciativa, comandada pelo Doutor Emil Harting (Guy Pearce), utilizando nanites (minúsculos robôs) em sua corrente sanguínea não só para reanimá-lo da morte, como também para dotá-lo de fator de cura, força descomunal, e várias outras habilidades.
No entanto – e não vou considerar isso spoiler, já que está nos trailers, mas caso não queira saber mais pule esse parágrafo – é óbvio que a empresa responsável pela iniciativa não estava só fazendo uma benfeitoria ao aprimorar seres humanos, especialmente Garrison. Sua verdadeira intenção era manipular a memória do soldado para que o mesmo tivesse “motivação” para realizar tarefas e serviços oferecidos pela corporação. Assim, sempre que precisavam eliminar um alvo faziam Ray lembrar daquela pessoa como seu assassino e de sua esposa, investindo-o de um desejo de vingança implacável, e garantindo que o alvo seria eliminado sem a perda de nenhum inocente pelo caminho.
Convenhamos que tudo que faz parte dessa ideia não é nada original. A cultura pop e a ficção científica lidam com as questões trazidas por Bloodshot desde seus primórdios até hoje, como no clássico Frankenstein, ou no caso de super-heróis (e anti-heróis) modernos, como Wolverine e Justiceiro, em quem o personagem da Valiant parece ter sido imensamente inspirado (para não dizer copiado). Deste modo, não esperemos que o filme seja um grande exemplar de ficção científica, colocando em cheque conceitos universais sobre a humanidade e seu possível futuro, mas apenas como um filme de ação (e Vin Diesel é uma boa pista disso) que tem como plano de fundo uma pitada de ficção científica. O problema é que, até mesmo como filme de ação o filme se mostra abaixo da média, tanto em sua narrativa como na forma em que a vemos em tela.
É possível saber praticamente tudo que acontecerá no filme apenas pelo trailer, ou talvez até mesmo, apenas pela curta sinopse que dei acima. Nada de inovador é colocado na história do filme, e até mesmo os clichês de gênero não são bem utilizados, entregando um andamento massante e cansativo. Poderíamos então esperar que ao menos nas cenas de ação o filme nos entregaria algo animador. Mas lamento dizer que até mesmo nisto o filme desagrada, abusando de técnicas batidas como um slow motion mal posicionado, e cortes rápidos que confundem o espectador, além de efeitos visuais pavorosos unidos a uma trilha musical que não faz a menor diferença.
Vin Diesel interpreta uma mistura de Dominic Toretto e Riddik, dois de seus personagens mais icônicos, só que com absolutamente nenhuma personalidade. É impossível se identificar com Ray Garrison que não seja apenas pelo sentimento naturalmente humano da vingança, e é inaceitável que um personagem seja feito só disso. Filmes de vingança precisam de algo mais de seu protagonista além da própria motivação daquele sentimento, senão temos um homem que, ao invés de nanites em seu sangue, tem apenas vingança líquida percorrendo suas veias. E isso não é o bastante pra uma boa história.
Cineasta e Historiador. Membro da ACECCINE (Associação Cearense de Críticos de Cinema). É viciado em listas, roer as unhas e em assistir mais filmes e séries do que parece ser possível. Tem mais projetos do que tem tempo para concretizá-los. Não curte filmes de dança, mas ama Dirty Dancing. Apaixonado por faroestes, filmes de gângster e distopias.