5 Produções brasileiras no Festival de Cannes 2019

Na última semana, do dia 14 à 25 de maio, aconteceu o 72º Festival de Cannes, certamente um dos mais importantes e tradicionais eventos do cinema mundial, diferindo e aproximando-se do hollywoodiano Oscar em vários sentidos, mas se destacando por trazer ao seleto público que tem o prazer de participar das exibições na pequena cidade litorânea da França filmes que geralmente (GERALMENTE) fogem do padrão mainstream da indústria cinematográfica. É principalmente por lá, entre outros festivais como Veneza, Roterdã, Berlim, Sundance, só pra citar alguns poucos, que conhecemos alguns dos filmes mais interessantes da temporada, tanto de diretores já consagrados, mas principalmente de cineastas que estão em início de carreira e precisam de uma maior visibilidade para seu trabalho, coisa que em seus países de origem pode ser praticamente impossível, com a disputa predatória pelas salas e circuitos mais comuns de exibição com os grandes blockbusters, uma realidade que conhecemos muito bem aqui na nossa (ainda) República Federativa.

Por falar em Brasil, não é de hoje que nosso inacreditável rico cinema leva obras para o festival. A primeira vez que um longa brasileiro teve exibição em Cannes foi em 1949, quando o festival ainda estava em sua terceira edição, com o Sertão, de João G. Martin, mas foi com O Cangaceiro, de Lima Barreto, em 1951, que o Brasil chamou atenção na Riviera Francesa. O filme, mesmo não levando o prêmio principal, a cobiçada Palma de Ouro, foi agraciado com o prêmio de Melhor Filme de Aventura (categoria atualmente extinta) e uma menção honrosa para a trilha sonora de Gabriel Migliori. Alguns anos e participações brasileiras depois, em 1962, O Pagador de Promessas, de Anselmo Duarte, nos deu a honra de trazer pras terras tupiniquins nossa, até agora, única Palma de Ouro. Depois disso o cinema brasileiro virou um dos queridinhos do festival, aparecendo em muitas de suas edições posteriores com filmes como Vidas Secas e Deus e o Diabo na Terra do Sol (1963), Terra em Transe (1967), O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro (1969) (sim, Glauber apareceu bastante por lá), Bye Bye Brasil (1979), O Beijo da Mulher-Aranha (1986), Carandiru (2003), entre muito outros, isso só como indicados na premiação principal, sem contar a competição paralela, que envolve também curta-metragens em algumas categorias.

Vidas Secas (1963), Nelson Pereira dos Santos

Este ano, mesmo quando uma crise parece estar se desenhando no mercado brasileiro de audiovisual, principalmente por conta dos desmandos e desmantelos do atual governo federal, quase sempre movidos por questões ideológicas esquizofrênicas, o cinema brasileiro teve uma belíssima representação no Festival. Entre produções e co-produções internacionais (o que também é muito válido e historicamente comum) nosso cinemão levou não só indicações, como também premiações, mostrando algo que não deveria precisar de tanto esforço para ser mostrado, a potência inigualável da nossa arte. Pode parecer pouca coisa, mas por muito tempo o brasileiro tem hostilizado as produções nacionais com generalizações e estereotipações que beiram a estupidez ou mesmo malcaratismo, e ainda mais hoje que vivemos tempos de desinformação e ódio, mas termos essa representação reconhecida internacionalmente é de grande ajuda e reverbera, querendo ou não, mesmo nos pequenos produtores (como o é este que vos escreve), nem que seja para dar aquela pontinha de esperança que estamos sempre precisando por aqui.

Então vamos conhecer um pouco do que tivemos de Brasil no Festival de Cannes este ano:

 

O Traidor

(Il Traditore)

Co-produção italo-brasileiro, dirigido pelo italiano Marco Bellocchio, o filme conta a história do mafioso Tommaso Buscetta [maturidade, meu povo haha], (Pierfrancesco Favino), que, na década de 80, após delatar seus companheiros sicilianos, foge para o Brasil para se esconder das represálias. O filme concorreu ao prêmio principal do festival e tem data de estreia ainda para esta semana por aqui, ainda que provavelmente em circuito bastante limitado.


The Lighthouse

Mesmo que não tenha atores ou locações brasileiros como o filme anterior, este também é uma co-produção do Brasil (RT Features) e EUA (a atual queridinha do cinema americano independente, A24), e é dirigida por Robert Eggers, do aclamado horror, A Bruxa (The VVitch: A New-England Folktale, 2015). O longa, filmado em preto e branco, tem recebido boas críticas após sua exibição, tanto para aspectos técnicos, como roteiro e as atuações de Robert Pattinson e Willem Dafoe. The Lighthouse concorreu em uma premiação paralela do Festival, a Quinzena dos Realizadores, voltado para projetos mais autorais. Ainda não há data de estreia.


Port Authority

A terceira co-produção brasileira no festival (também pela RT Features), também com os EUA, é o primeiro longa-metragem da diretora americana Danielle Lessovitz e trata sobre um triângulo amoroso com plano de fundo na cena dos bailes voguing de Nova York, que ficaram conhecidos pelo hit da Madonna e pelo documentário Paris is Burning (1990). O filme concorreu ao importante prêmio Um Certo Olhar, voltado para obras com uma linguagem mais experimental e de cineastas menos conhecidos, além dos prêmios Golden Camera e Queer Palm, dedicado a filmes com temática LGBTQ+. Também não foi divulgada ainda uma data de estreia oficial.


A Vida Invisível de Eurídice Gusmão

Inspirado no livro de Martha Batalha, publicado em 2016, o novo filme do cearense Karim Aïnouz, de Madame Satã (2002) e O Céu de Suely (2006), foi o grande vencedor deste ano da competição paralela Um Certo Olhar. O filme, que conta no elenco com a maravilhosa Fernanda Montenegro, fala sobre duas irmãs que passam pelas agruras do machismo brasileiro nos anos 1950. Curiosamente o filme é também produzido pela brasileira RT Features, e foi a terceira oportunidade de Aïnouz de voltar à Cannes, antes exibindo O Abismo Prateado (2011) e Madame Satã, este último na mesma premiação que o deu a vitória este ano, consolidando o diretor como um dos grandes nomes do cinema brasileiro da atualidade. No Brasil, o filme deve estrear ainda em novembro deste ano.


Bacurau

Já há algum tempo o cinema pernambucano (na verdade o nordestino no geral) tem se mostrado um dos mais potentes do país, sendo Kléber Mendonça Filho um de seus expoentes do momento. Mendonça Filho, iniciou sua carreira como crítico e, após realizar alguns curtas, foi com o longa O Som ao Redor (2012) que ganhou a atenção do Brasil e do mundo, com sua sutileza crítica através da paisagem urbana e comum do Recife.  Seu filme seguinte, Aquarius (2016), o levou à Cannes pela primeira vez já concorrendo ao prêmio principal em um ano politicamente conturbado no Brasil, levando a equipe do filme a fazer um marcante protesto denunciando a tentativa de um golpe em curso através do impeachment da então presidenta Dilma. Em seu novo filme, Kléber se junta ao diretor de produção em suas obras anteriores, Juliano Dornelles, e novamente com a atriz Sônia Braga, para sair do ambiente urbano do Recife e trabalhar com a paisagem rural do interior pernambucano. Bacurau lida com um futuro próximo, mesclando gêneros como a ficção-científica e o faroeste para falar sobre um pequeno lugarejo e suas disputas de poder. Apesar de, aparentemente, divergir dos longas anteriores do diretor, esta nova empreitada parece ter agradado com a já conhecida perspicácia de Mendonça Filho ao falar dos problemas da sociedade brasileira, já que, mesmo não vencendo à Palma de Ouro, levou o segundo louro mais importante do festival, o Prêmio do Juri. Ainda não há data certa para a estreia, mas devemos estar assistindo o filme lá pela segunda metade deste ano.