No último dia 13 de novembro, a Netflix lançou sua nova série animada original: She-ra e as Princesas do Poder (She-Ra and the Princesses of Power). A animação é um reboot do desenho original She-Ra: A Princesa do Poder (She-Ra: The Princess of Power), lançado em 1985. Mesmo antes de seu lançamento oficial, sem a existência de sequer um trailer, a série de 2018 já causou um burburinho na internet. Vários fãs da série original ficaram loucos após a liberação das primeiras imagens da animação da Netflix ao descobrirem que a nova heroína é uma adolescente que não tem corpão cheio de curvas, lábios vermelhos e carnudos e não usa um uniforme que mostra mais pele do que deveria para uma guerreira. Apesar da personagem na série original não ser o ideal de feminilidade que o patriarcado construiu, o visual da personagem certamente foi objeto de desejo dos garotos na época. A nova She-ra não foi feita para ser um objeto criado para o olhar masculino. Eles não conseguiram aceitar isso, e é exatamente por esse – e algumas outras características que tem a ver com isso – que me fez amar a série e assistir tudo de uma vez em um único dia.
A série criada por Noelle Stevenson (mais conhecida aqui no Brasil por Nimona) conta a história de um planeta dividido pela guerra. Etéria é dominada pela Horda, uma organização violenta e opressora que domina cidades destruindo-as. Do outro lado está a Rebelião, liderada pelas Princesas do Poder que tentam reagir a hegemonia da Horda. Adora é a escolhida para salvar Etéria do domínio da Horda e trazer equilíbrio para o planeta novamente tornando-se She-ra através de uma espada mágica e os poderes que adquire com ela. Sim, é uma história que provavelmente nós já vimos várias vezes, a primeira diferença crucial aqui é que ela é (finalmente) protagonizada por uma mulher.
Em Etéria, as princesas são as governantes de cada localidade, todas tem poderes mágicos e são guerreiras. O que já é interessante por si só por trazer uma nova ideia das princesas afastando-as do ideal de fragilidade que foi mostrado para nós até hoje. Sim, elas ficam nervosas com o que vão vestir num baile, mas também são líderes e não recuam diante de uma batalha. O único homem em posição de poder aqui é o General Hordark, líder da Horda, ou seja, nosso vilão maior.
Outro fator interessante é a diversidade. Apesar da nossa protagonista ser o padrão ideal de beleza: branca, olhos azuis, magra e loira, todos os outros personagens são diferentes. Dentro de um grupo onde temos corpos de tamanhos, formas e cores diversas, Adora se torna mais um exemplo dessa diversidade, não um “corpo padrão”. Temos também diferentes formas de representar o feminino e o masculino. Enquanto Adora e Cintilante querem quebrar coisas e sempre usar a magia para resolver os problemas, Arqueiro, o único garoto do grupo, é aquele que mostra que existem outras saídas. Aliás, Arqueiro é um personagem muito interessante nesse sentido. A maioria das habitantes de Etéria são mulheres; ele é um dos únicos homens e, em geral, toma atitudes que não correspondem ao padrão da masculinidade ao qual estamos habituados. Para além de mostrar como as meninas têm outras possibilidades de existência, a série nos oferece também outras formas para os meninos.
Há ainda a representação, por mais que rápida, de um casal homossexual. Não entra-se muito na discussão, mas exatamente por isso se torna potente essa aparição: ele é apresentado como mais um fato do dia-a-dia, é apenas um casal que calhou de estar ali. Tão importante quanto a problematização da forma como não somos aceitos no cotidiano do mundo real e a representação da violência que sofremos nos dramas, é a normalização da nossa existência. Sim, Etéria não é a terra, mas estamos vendo a representação de um mundo análogo ao nosso. Se isso pode existir num mundo que parece com o nosso, por que não aqui?
O desenho foi feito para crianças. Por mais que nós, adultos, assistamos como uma, foi feito para elas. Além de toda essa diversidade e de cultivar valores que foram por muitos anos colocados como sendo contravenções pelos produtores de conteúdo, a série traz como plots pontos de extrema importância para a formação dos jovens. Os principais conflitos se centram em amizade, família, meio-ambiente e liberdade. Adora é órfã, enquanto passa por provações para se tornar She-ra, tenta descobrir de onde veio e assim achar um lugar no mundo para si. Cintilante tenta se provar ser uma grande princesa a série toda como forma de não se sentir uma decepção para sua mãe. Felina sente-se subjugada por Adora e acha que só poderá ser protagonista de sua própria história se não estiver perto da amiga. Apesar de ser um mundo fantasioso, os conflitos pelos quais as personagens passam são muito reais, temas presentes no cotidiano de quase todas as crianças e adolescentes em algum momento de suas vidas. A gente se identifica exatamente porque já passamos por situações assim.
She-ra e as princesas, diferente do desenho original que tinha a maioria de seus episódios soltos, sem ligação uns com os outros, é uma série bem narrativa e totalmente centrada na jornada do herói. Então você pode esperar por uma história cheia de reviravoltas, ação e momentos emocionantes. Os roteiros são muito bem escritos e, em sua maioria, foram escritos por mulheres. Quase todos os episódios também tiveram diretoras a sua frente.
Para fechar, fiquem com esse vídeo da transformação de Adora em She-ra, momento que vocês verão em quase todos os episódios e que, como toda a animação, tem grandes influências de animes como Sakura Card Captors (Kadokyaputa Sakura, 1998-2000) e Sailor Moon (1995-2000). Vão ver essa série!
Uma capricorniana Bacharel em Cinema e Audiovisual. Diretora, roteirista, curadora e uma DJ formidável nas horas vagas. Grenda divide seu tempo entre o cinema, o cigarro e o litrão barato. Sabe dar conselhos e sermões como ninguém e dentre todos os seus vícios, o maior deles é a tabela de Excel.