Super Drags – Super divertidas, mas super problemáticas também

Em Super Drags, a nova animação da Netflix, criada por Anderson Mahanski, Fernando Mendonça e Paulo Lescaut e produzida pelo Combo Estúdio, conhecemos as aventuras de Patrick, Donizete e Ralph, amigos que trabalham na mesma loja de departamento que à noite se transformam nas três heroínas: Lemon Chifon, Scarlet Carmesim e Safira Cyan. Ao comando da icônica Vedete Champagne, as meninas combatem o mal e o conservadorismo que aterroriza as bichas de Guaranhém lutando contra a malvada Lady Elsa, que quer roubar todo o highlight, a energia vital das pocs, para se manter jovem.

A primeira temporada tem apenas 5 episódios, a série nos conta a jornada das heroínas para proteger as bichinhas poc das mãos do Missionário Sandoval, que quer empregar leis retrógradas e totalmente opressivas sobre as manas. Sandoval também é responsável pelo cancelamento do show da cantora Goldiva, uma artista pop internacional que veio até a cidade para fazer seu show. Sem nunca esquecer da ameaça de Lady Elsa ao highlight das manas.

Super Drags é a primeira animação brasileira do serviço de streaming. Por si só, isso já é um grande feito. Mas, apesar de ser um marco importantíssimo, é preciso respirar fundo e ver os pontos positivos e negativos na história. A série trabalha com o mesmo humor escrachado presente em praticamente todas as animações adultas norte-americanas tão queridinhas do público, como American Dad! (2005 -), Family Guy (1998 -), sem deixar de mencionar o famoso Rick and Morty (2013 -). A probabilidade de ter cenas problemáticas quando se trabalha com esse tipo de humor é grande, e foi o que aconteceu. Logo no começo do primeiro episódio, as meninas já estavam afiadíssimas para salvar as manas de um sequestrador que tinha roubado um ônibus do show da Goldiva, por puro ódio. Quando Lemon vai salvar o motorista, que se jogou dentro de um lago junto das vítimas, ela deliberadamente “apalpa a neca do boy”, ou para quem zerou essa questão do ENEM, dá aquela conferida pra sentir o tamanho do documento do rapaz. Isso configura assédio e não é nada engraçado. Não só isso, além dessa cena extremamente desconfortável e desnecessária, como se já não bastasse, na hora de capturar o vilão, ela o deixa ir porque ele é “bonitinho”. Isso não é cômico, é estúpido. Além de perpetuar um esteriótipo nocivo dentro da própria comunidade gay. E porque diabos a heroína deixaria o bandido fugir só porque é bonito? Principalmente quando ele é um homofóbico?
Os memes e as gírias geralmente são ótimos trunfos que cativam muito um público, especialmente, se usada de forma esperta. Entretanto, não foi muito o que aconteceu. Em alguns momentos, fica a sensação de que quem escreveu o roteiro foi  uma daquelas meninas hétero que tem um ou dois amigos gays e acham que fazem parte do vale, se apropriam das nossas gírias e ficam saturando até desgastar. De vez em quando as piadas eram colocadas de uma forma genial sim, mas, infelizmente, na maioria das vezes, pareciam forçadas. E, mesmo que seja algo comum em animações adultas, até mesmo as outras que também são da Netflix, como Paradise PD (2018 -), o falocentrismo exagerado na série me incomodou bastante, se fosse usado algumas vezes seria até interessante, mas era usado praticamente a cada minuto da série, e ficou chato. Se você tem algo engraçado, não satura, em nome de Cher.

Mas existem os pontos positivos, temos a personagem de Vedete Champagne, que em todos os momentos em que aparece rouba totalmente a cena e cativa bastante o espectador, Vedete tem um timing ótimo, as melhores piadas e a dublagem é digna de muitos aplausos para a veterana Silvety Montilla. Goldiva também foi outra personagem que surpreendeu bastante, dublada pela cantora Pabllo Vittar, que arrasou nos momentos em que aparecia. Apesar das críticas que fiz, em alguns momentos a série tinha um teor cômico muito bom sim, alguns subplots bem legais, como por exemplo: a suposta química que nasceu entre o filho do Missionário Valdomiro e Ralph. O traço da animação é bem caricato, lembra muito As Meninas Super-Poderosas (The Powerpuff Girls, 1998 – 2005). Tudo é bem colorido e divertido. Destaco a cena em que as bichas estão num reformatório e Jezebel começa a cantar, é icônico.
No geral, Super Drags tem aspectos que, se forem melhor trabalhados no futuro, têm um potencial enorme de crescimento. É muito delicado apontar os pontos negativos, pois quem está de fora do nicho, como por exemplo a família tradicional brasileira, pode e vai usar isso contra a nossa comunidade. Mas, é preciso apontar esses pontos problemáticos na série, não é porque é algo voltado para o público LGBTQ+ que devemos engolir tudo sem parar para pensar. Não podemos fazer vista grossa quando tem coisa errada, o negócio é que temos que tentar fazer isso de uma forma não agressiva e sim de uma forma pontual e racional. É importante dar apoio a série, inclusive eu quero muito que ela continue, só que seria bom se os produtores dessem atenção às críticas do público e melhorassem esses aspectos numa possível segunda temporada.

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Diego Berreto
ator, drag queen e desenrola no audiovisual de vez em quando. É taurino com ascendente em peixes, mas, não se orgulha do ascendente. Além de ser uma futura campeã de Rupaul’s Drag Race com Persephone. Diego é fã de terror, distopias, quaisquer produções envolvendo super-heróis e profissional em fazer carão.