Mas é claro que, apesar do enredo simplório, a força do longa está na forma bem humorada com que os eventos acontecem e na interação entre os personagens, com diálogos hilários que são excepcionalmente bem conduzidos por Waititi. As situações absurdas já se apresentam desde a primeira sequência do longa quando Thor se vê enfrentando o vilão Surtur (um dos mais poderosos dos quadrinhos) enquanto faz várias piadinhas, deixando claro que a maior pretensão do filme, antes de qualquer coisa é divertir o público, tarefa que cumpre de imediato. A grande sacada aqui, foi expandir o papel de alívio cômico que o personagem Thor passou a desempenhar nos dois filmes dos Vingadores, correndo o claro risco de ridicularizá-lo ao quase o transformar, em alguns momentos, em um mero brutamontes bobão.
Mas apesar de um roteiro sem muito aprofundamento o filme ainda trás algumas características que merecem algum destaque. A primeira delas é o visual deslumbrante. O desenho de produção e a direção de arte, desde a criação dos cenários até os figurinos, estão realmente dignos de um épico, e agregados à fotografia de Javier Aguirresarobe somos presenteados com alguns planos que poderiam ser facilmente enquadrados e expostos em um museu de arte. Entre os cenários temos mais uma vez Asgard que já desde o primeiro filme me fez feliz por trazer uma mistura entre edificações mitológicas radiantes e detalhes que nos remetem à algo alienígena, mas o maior destaque certamente é o planeta Sakaar com seus ambientes multicoloridos (mais uma contribuição de Guardiões da Galáxia) e uma clara inspiração na arte do mestre dos quadrinhos Jack Kirby, co-criador, junto com Stan Lee, do Thor e de muitos outros personagens da Marvel. No entanto esta riqueza visual do planeta que vemos em detalhes nos ambientes mais fechados, como no camarote do Grão-Mestre ou nas ruas cheias de habitantes estranhos, se perde quando temos planos muito abertos da cidade, ou da arena, que parecem ter sido compostos de forma um tanto quanto genérica.
O segundo destaque não poderia deixar de ser para elenco e personagens. Além dos que já havíamos visto anteriormente como Thor, Loki, Hulk/Banner, Heimdall (Idris Elba), Doutor Estranho (Benedict Cumberbatch em uma participação bem gratuita) entre outros, alguns dos personagens que são apresentados pela primeira vez neste filme foram essenciais tanto para criar uma maior comicidade, como Korg (o próprio Taika Watiti, em mais uma ótima performance de humor) ou Skurge, o Executor (Karl Urban), mas principalmente o Grão-Mestre de Goldblum, com seus trejeitos e excentricidades absurdas, como para complementar o time de protagonistas, como a Valkyria (Tessa Thompson), talvez uma das melhores surpresas do filme e com certeza minha personagem favorita. A Deusa da Morte Hela (primeira vilã feminina do Universo Cinematográfico da Marvel) representada pela quase sempre genial Cate Blanchett, apesar de tentar se mostrar uma grande ameaça não consegue evocar o perigo necessário para que possamos temê-la o bastante e até mesmo a iminência do Ragnarok não parece ter a força que merece, talvez atrapalhados pelo tom galhofeiro apresentado na maior parte do filme.
O último destaque fica com a ótima trilha sonora de Mark Mothersbaugh que faz uso de sintetizadores e uma batida eletrônica em boa parte das músicas dando um ar de tecnologia ao filme combinados com instrumentos clássicos como órgão e violino, o que acaba sendo um feliz acerto nas composições de algumas cenas, contribuindo para o tom épico futurista que o filme parece querer evocar. E é claro que não poderia deixar de comentar sobre o uso de Immigrant Song do Led Zeppelin, que além de ser uma música que fala sobre Vikings e sua mitologia, tem o poder de arrepiar imediatamente qualquer pessoa que a ouve, e aqui aparece duas vezes uma no início mais rapidamente e outra já no fim, pontuando o clímax que é a batalha final contra Hela e seu exército de undeads.
Cineasta e Historiador. Membro da ACECCINE (Associação Cearense de Críticos de Cinema). É viciado em listas, roer as unhas e em assistir mais filmes e séries do que parece ser possível. Tem mais projetos do que tem tempo para concretizá-los. Não curte filmes de dança, mas ama Dirty Dancing. Apaixonado por faroestes, filmes de gângster e distopias.