Hotel Terapêutico – O anseio pela fuga

“Gostaria de ser outra pessoa…em qualquer lugar que não aqui.”

 

Em agosto, Grenda me convida para uma sessão às 18hrs no cinema do dragão, onde nunca vou, assistir a um filme da mostra de cinema nórdico, que eu não consumo. Não fosse pela nossa recente afeição pela série norueguesa SKAM (2015 – 2017) o convite não teria surtido efeito algum. Ela diz que lembrou de mim, e me passa o trailer de Hotel Terapêutico (Hotell, 2013), o qual eu não assisto. Apenas aceito o convite, mais por afeto a ela do que por qualquer outra razão.
Erika (Alicia Vikander) passa por um baque logo no começo da história. A cena de seu parto é frenética e desesperada, acompanhamos a todo momento seu rosto, vemos seu medo, sentimos sua dor. Devido a complicações no parto, o bebê nasce com sinais de dano cerebral, e Erika toma para si a responsabilidade de ter machucado seu filho. Ela logo o rejeita, incapaz de lidar com sua própria dor, e entra em uma depressão profunda. Após muitas tentativas de seguir em frente que causam zero resultado, Erika se vê inclinada a fazer terapia em grupo, onde distrai sua mente ao ouvir os problemas de terceiros. Lá ela encontra Rikard (David Denrick), Ann-Sofi (Mira Eklund), Pernilla (Anna Bjelkerud) e Peter (Henrik Norlen), cada um carregando um trauma que os esmaga e os impede de se adequar nos moldes sociais esperados deles. Juntos, percebem que possuem algo em comum: o desejo de serem qualquer um que não eles mesmos. Determinados a deixar tudo para trás e começar do zero, o grupo se une e, as custas de Erika, se muda de hotel em hotel, aproveitando seu anonimato para inventar para si novas identidades ao mesmo tempo em que buscam formas não tão convencionais de lidarem com suas questões mais profundas.
Assistimos a uma história sobre pessoas e suas vidas, onde se aborda paralelos entre quem gostaríamos de ser e quem somos, como o mundo nos vê e como vemos a nós mesmos. É um denominador comum entre nós, o interesse em narrativas cujo cotidiano dos personagens é o que nos guia e nos cativa. Personagens desajustados, assim como nós mesmas, que precisam enfrentar situações variantes do cotidiano ordinário ao espetacular desagrado. Talvez por isso seja tão simples criar uma identificação ao acompanharmos a jornada do grupo de apoio de Erika.
Ao contar uma história sobre doenças mentais, sentimentos obscuros e inseguranças da alma sem julgamento, Lisa Langseth nos proporciona uma experiência que mistura humor, compaixão, constrangimento e devastação, e que nos deixa à mercê do envolvimento com personagens tão reais quanto Grenda e eu. O filme acaba e continuamos sentadas em nossas poltronas, ouvindo a voz de Ann-Sophie cantar enquanto rolam os créditos, procurando absorver as mudanças causadas em nós, e mesmo agora, quase um mês depois dessa experiência, ainda me pego pensando numa cena simples, onde os cinco se revezam para contar as histórias inventadas para si, sendo elas reflexo daquilo que eles mais desejam. Erika é a única que não consegue se abrir, o peso da condição do filho e de toda uma expectativa que ela tinha para si tendo se desintegrado de uma forma tão brutal. Mesmo sabendo que ali, naquele quarto de hotel, nada que a machuca é real, ela se guarda, e se contenta em observar e aplaudir, internamente trancando suas emoções e não se permitindo sofrer da forma que precisa, preferindo inventar para si um mundo novo, onde ela pode sim ser alguém totalmente diferente de quem é. É cruel, sincero e me toca de tal forma que, no caminho para casa, digo para Grenda que também gostaria de fugir para um hotel novo todos os dias, e ela concorda comigo, mesmo sabendo que não podemos.