Parece que em cada produção americana, por mais que o número da dança esteja manjado de ser coreografado, espera-se um efeito como na primeira vez: a surpresa, a boa recepção, o prazer contagiante de curtir a forma como a história é contada. A consequência disso — e a prova é que o jumpscare continua sendo usado — é porque sempre consegue fisgar alguém. O nome já diz tudo: o susto fácil, não vai estar ali em vão. Assim, surge a fórmula, mediante a resposta do público. Temos o melodrama, o exagero, o tradicionalismo para romances, comédias românticas, animações. O lance não é reformular, mas ir e vir com o mais do mesmo e ver o que rende. Dito isso, viemos para outra sacada de comédia da Netflix, Um Crime Para Dois (The Lovebirds, 2020) dando a volta no método, mas fazendo o seu melhor com carisma.
Originalmente produzido pela Paramount, o anúncio da produção alcançou rapidamente a empolgação por convocar Issa Rae, da série Insecure (2016 – 2020), e Kumail Nanjiani, de Doentes de Amor (The Big Sick, 2017), como o casal de protagonistas. O mote se deve ao envolvimento da dupla em um bizarro caso de assassinato, e para saírem ilesos, terão que descobrir tudo antes que seja tarde.
Correndo o risco de ir bem mal nas bilheterias por conta da pandemia, a estreia do longa passou a bola de distribuição para a Netflix, o que acabou combinando com o estilo de filmes e séries lançados desde 2018 voltados para a proposta da comédia romântica pelo streaming. Essa façanha, o impasse de confusão jogado para os protagonistas não é nada novo quando se trata do subgênero da comédia. A ideia de inserir uma realidade improvável para personagens gente como a gente, desafiando o código de normalidade que tinham até há poucos minutos, e graças ao desespero, acumular burrada atrás de burrada para uma merda que já bate no teto, de algum jeito se torna identificável e deleitoso do público acompanhar.
A graça toda se dá ao impor sequências de escolhas desastrosas numa situação incomum. O que Leilani (Rae) e Jibran (Nanjiani) queriam era só chegar no jantar de festa na presença de amigos, curtirem e depois voltarem a encarar a complicada relação que estão enfrentando como namorados. No percurso, um crime faz o tabuleiro virar e, se outrora a resolução para as constantes discussões seria o término, agora a união é o que vale para não serem presos. Um Crime Para Dois já inicia a narrativa apresentando o status dos pombinhos de maneira over, da fofura do amor à primeira vista, para um desentendimento travado por indiferenças e coisas simples.
Para um enredo que sabe o estilo que quer transitar, a direção de Michael Showalter não se poupa de explorar os limites da premissa para aplicar um humor de um jeito desconcertante, despojado e irritante, para isso abusa de diálogos intrincados, insistentes e travessos, zombando com desenvoltura da situação perigosa que o casal se vê embaralhado. O que dribla tão bem a receita é a química que Issa e Kumail entregam em tela, se divertindo com a complicada relação de seus papéis, perscrutando as diversas salas que a fórmula permite visitar.
Assim, se resume Um Crime Para Dois como: o arranjo de momentos constrangedores, forçados e exasperados para pintar a produção com sacadas e tiradas cômicas, geniais para a fórmula que não quer se levar a sério, apenas adotar uma substância caótica e traçar um ponte de sustento para o humor até a última gota. Da confusão queriam gerar a comicidade, mas do carisma obtiveram o resultado preciso de uma dupla que funciona.
Como o modelo já defende a ideia de que o dia será salvo no final, The Lovebirds ainda brinca em subverter a lógica do clichê e contrariar o pensamento da audiência sobre trama, e por fim amarrar a trama de assassinato no melhor estilo, depois da teia de confusões postas contra os protagonistas. Se não fosse por Issa e Kumail, a coisa das frases e circunstâncias arranjadas em nome da comédia poderiam não ter o ensejo que só o acerto que um bom carisma consegue oferecer. Além do mais, para cada casal em crise que se deparasse com um misterioso crime para resolver, a terapia dos pombinhos estaria feita.
Ama ouvir músicas, e especialmente, não cansa de ouvir Unkle Bob. Por mais que critique, é sempre atraído por filmes de terror massacrados. Sua capacidade de assistir a tanto conteúdo aleatório surpreende a ele mesmo, e ainda que tenha a procrastinação sempre por perto, talvez escrevendo seja o seu momento que mais se arrisca.