ATENÇÃO: Esse texto contem severos spoilers e é extremamente sentimental.
Eu não quero causar má impressão com o título desse texto. A temporada final de She-Ra e as Princesas do Poder (She-Ra and The Princesses of Power, 2018 – 2020), da Netflix, é tão emocionante, tão cheia de amor e representatividade, que seria injusto da minha parte (e de qualquer um) resumir essa animação a apenas violência. Mas sejamos francos: a gente gosta de ação! E se você quer um desenho que sabe dosar emoção, drama, ação e comédia, eis aqui uma obra completa!
Caso você tenha lido meu texto sobre a quarta temporada da série, eu preciso dizer aqui que você deve esquecer tudo que eu disse de ruim a respeito dela – Netflix, nunca te critiquei! Ou não… Veja bem, eu não retiro o que eu disse. Mas se havia algo a ser redimido, isso foi feito com maestria.
Quando a gente vê uma autora como Noelle Stevenson dizendo a um veículo como Entertainment Weekly que ela limitou sua obra a um número definido de episódios, e que esses episódios chegariam ao fim na temporada que seria a próxima, a gente é tomado por uma avalanche de sensações. E fica divido entre a tristeza de saber que, em breve, estraremos órfãos dos personagens que seguimos e aprendemos a amar, e a alegria de perceber que tudo está planejado, que nossa jornada não seguirá por infinitas tramas que, cedo ou tarde, tendem a estragar tudo que foi construído até então.
Quando sentei na frente do computador, depois de ver o último episódio de She-Ra, eu abri o editor de textos pensando em escrever algo inteligente, profundo. Meu desejo era dissertar sobre as nuances psicológicas de cada personagem na trama, que se desenvolveu num tempo preciso, sem pressa e sem cortes. Eu gostaria de ressaltar as relações tão bem construídas, tão complexas, para um desenho animado de faixa etária tão baixa. Eu queria explicar coisas sobre reencontros, sobre perdas, sobre amores secretos, sobre traumas de infância e tantos outros temas abordados pela autora no desenho.
E agora eu estou aqui, tão apaixonado, tão eufórico, tão extasiado! Poucas vezes eu saí tão satisfeito de uma aventura que eu vivi através dessas pessoas que não existem. A “super gente”, como diria um amigo. Eu fico pensando na pena que foi a morte da Sombria, e do pulo que eu dei na cadeira quando ela, finalmente, revelou o próprio rosto pouco antes de entregar a vida pra salvar aquela a quem ela sempre pareceu desprezar.
Eu ainda estou com os olhos mareados por ver o reencontro da Cintilante com seu pai, depois de tantos anos achando que ele estava morto e se mostrando uma feiticeira tão poderosa quanto ele. Ou com meu próprio reencontro com os pais do Arqueiro, o primeiro casal gay e negro que eu testemunhei em um desenho animado. Ainda não recuperei o fôlego por ter acompanhado a luta de Netossa pra recuperar a sanidade de sua esposa, Spinnerella, cuja voz, na versão original em inglês, é da própria Noelle, e da Entrapta, que recuperou a sanidade de todos os outros! Ou a redenção de Hordak que acabou, ele mesmo, matando o Líder da Horda.
Mas, certamente, o ponto mais alto da história foi o beijo de amor entre as protagonistas onde, em uma cena belíssima, Catra segurava uma Adora quase morta em seus braços. Não há como escapar quando Felina diz pra sua amiga/ rival que a ama. Por mais que fosse algo já esperado pelos fãs, por mais que estivesse para além das entrelinhas para qualquer pessoa que tenha prestado um pouco mais de atenção, aquele beijo, aquele final inteiro, é um banho de felicidade na alma de tantos jovens que podem viver hoje o que eu amaria poder ter tido quando eu mesmo era uma criança e assistia, toda manhã, a irmã de He-Man no programa Xow da Xuxa.
Que felicidade poder ter vivido uma história como essa! Poder ter sentido a representação que me foi privada na juventude. Ainda mais em um enredo cheio de mágica, aventura, e com um alicerce bem construído.
Mas, por favor, mais uma vez: não me entenda mal… Eu não vou me iludir aqui que todos os problemas sociais referentes à classe LGBTQIA+ foram resolvidos por uma animação em um serviço de streaming. É claro que She-Ra ter estreado sua 5ª temporada com 100% de aprovação no Rotten Tomatos (e mais 100% de aprovação em outras 3 de suas 5 temporadas, estando com 97% de aprovação no conceito geral) é um sinal de que algo está mudando para melhor. Mas isso não apaga permanentemente todas as mazelas que nós vivemos como comunidade.
Ainda é crime ser homossexual em 70 países, como mostra um relatório da 13ª edição do “Homofobia Patrocinada Pelo Estado”, do ano passado. Em seis deles, homossexuais são punidos com morte. Outro relatório, esse formulado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos em 2018, revela que o Brasil registra uma morte por homofobia a cada 16 horas (552 mortes por ano). Ou seja: eu sei bem que não é o desenho da She-Ra que vai nos salvar de todo preconceito que ainda nos cerca…
No entanto, vamos nos dar esse pequeno alívio: é um carinho na alma saber que há pessoas lutando a boa luta. E, se não vai ser hoje que o mundo vai se transformar, quem sabe daqui há 30 anos, os então adultos, possam ser pessoas melhores, justamente por terem vivido hoje a mesma aventura que eu gostaria de ter vivido 30 anos trás, acompanhando a guerreira She-Ra e suas amigas, as Princesas do Poder!
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Gay, Nerd, jornalista e podcaster. Chato o suficiente pra achar que pode se resumir em apenas quatro palavras. Fã de X-Men e especialista em Mulher-Maravilha. Oldschool – não usa máquina de escrever, mas bem que poderia. There’s only one queen, and that’s Madonna!