She-Ra e as Princesas do Poder e O Formato Netflix

AVISO – Antes de começar a ler esse texto fique sabendo que ele está cheio de detalhes que podem ser considerados spoilers. Então, se você ainda não assistiu à quarta temporada de She-Ra, pode ser que eu estrague algumas surpresas.


Se você, assim como eu, vem acompanhando o novo desenho da She-Ra,  She-Ra e as Princesas do Poder (She-Ra and The Princesses of Power, 2018 -), que a Netflix vem exibindo, certamente começou a ver a quarta temporada com o hype lá em cima… E, assim como eu, se decepcionou cabalmente. Mas vamos por partes!

Longe de mim, pobre mortal, atacar essa animação que é “perfeita-sem-defeitos” desde que esteou com a polêmica – idiota, diga-se – sobre os seios da protagonista. She-Ra e as Princesas do Poder mostra um trabalho belíssimo de sensibilidade, responsabilidade e representatividade. Faz isso como poucos! As personagens são cativantes e o coadjuvante masculino de maior destaque é o retrato perfeito de um jovem que não sofre com a famigerada “masculinidade tóxica”. Essa é a animação que você PRECISA mostrar pra sua filha (e pro seu filho mais ainda)! Uma protagonista forte, mas não masculinizada. Guerreira, poderosa, imbatível, mas ainda aprendendo a usar seus poderes, descobrindo novas habilidades a cada episódio, tendo que lidar com a responsabilidade de os possuir e, tal qual uma boa adolescente, vivendo os dilemas de ser uma boa amiga, mesmo para aquela que, agora, é sua inimiga. E o mais surpreendente: não está seminua!

Sobre representatividade, não há nada do que reclamar. Até o final da terceira temporada o desenho já havia nos apresentado um casal de princesas lésbicas, um outro de pais gays e fez a galera LGBTQ shipar a dupla Arqueiro e Falcão do Mar (ainda que, para tristeza desse fandom, Falcão do Mar tenha começado a namorar Serena). Não fosse suficiente, a temporada lançada no último 05 de novembro nos trouxe o incrível Double Trouble (que coadjuvante fantástico!): um personagem não binário, cuja voz na versão original em inglês é dada por Jacob Tobia, um ator, escritor, produtor, apresentador de TV e ativista americano pelos direitos LGBT’s, também uma pessoa não binária (vale aqui acrescentar que a versão brasileira é pelo ator e dublador Fernando Mendonça, assumidamente gay). Uma joia rara das animações, que só se pode comparar com o vilão Ele, de Meninas Super Poderosas (The Powerpuff Girls, 1998 – 2005). E eu nem falei ainda do corcel alado Ventania, uma mistura de unicórnio com Pégaso que tem as melhores tiradas, nos momentos mais oportunos. Ou seja: a questão aqui passa longe de ser animação em si. Mas sim o “formato Netflix”.

Eu sei que não estou falando grego. Acredito que você já tenha acompanhado alguma outra série desse streaming. Netflix é conhecida pela forma como leva os roteiros de seus trabalhos. O primeiro e o segundo episódios são empolgantes, emocionantes, apresentam uma trama interessante, que vale à pena ser seguida e, muitas vezes, um mistério intrigante (eu usei muitos “antes” nessa frase, admito). Justamente as características que vão te prender ao seriado. Seguido a isso, temos uma dezena de episódios mornos, em que nada importante acontece. A história não sai do lugar, empaca. O famoso “enche-linguiça”. Então, nos penúltimo e último episódios da temporada tudo fica emocionante de novo e a trama se resolve nesses dois capítulos, sendo que no finalzinho do último surge um novo problema (um vilão, um fato desconhecido, uma morte, ou o que quer que seja) que vai fazer o gancho para te prender até a volta da temporada seguinte. Pronto! Descrevi a quarta temporada de She-Ra – e certamente de mais uma dúzia de outras séries.

Chegamos ao fim da temporada anterior sendo bombardeados por uma enxurrada de informações que podia revelar, inclusive, a verdadeira origem da nossa protagonista. Descobrimos que ela veio de outro planeta, sequestrada por Hordak. Numa alusão à serie clássica, onde a princesa Adora, irmã do príncipe Adan, de Eternia, foi tirada de seus pais ainda bebê. Isso deixou meu coração dividido entre a empolgação de “nossa, será que teremos um He-Man?” e o desespero triste de “nossa, será que teremos um He-Man?”. Isso porque, em primeiro lugar, o Gambit de 7 anos de idade que via os desenhos dos dois personagens nos anos 80, no saudoso Xow da Xuxa (1986 – 1992), deu pulos de alegria ao ver o respeito pela série clássica sendo mostrado nessa nova versão. Em segundo lugar, o Gambit desconstruído de 39 anos acha que o ponto alto de She-Ra e As Princesas do Poder é justamente o fato de que a protagonista não tem sua origem dependente de um personagem masculino que surgiu antes dela. Ela é independente, solo, “original”. Então fiquei confuso sobre ser boa ou não tão boa uma aparição do irmão gêmeo da guerreira (mas pensei nas possibilidades de ver um novo Gorpo, uma nova Teela e, lógico, a versão do Esqueleto para esse desenho).

Mas esqueça! Tudo isso se perdeu nessa quarta temporada. Esse plote inteiro foi jogado fora. Ninguém tocou no assunto e tudo passou despercebido até o penúltimo episódio quando Esperança da Luz revela para She-Ra que ela mesma sequestrou a garota quando bebê, e não Hordak, como foi dito anteriormente. Mais uma vez eu não sabia se ficava alegre ou triste. Mas, sério, esperaram até um momento desesperador e muito tenso para trazer esse fato à tona. No “miolo” inteiro do desenho, aconteceu nada! Com exceção de uns poucos episódios (dê uma atenção especial ao que aparece a Madame Rizzo, sempre dê uma atenção especial quando ela aparecer, ela é muito importante), seria quase possível assistir apenas os dois primeiros e os dois últimos capítulos.

Eu fiquei um tantinho impaciente enquanto acompanhava. Claro que tudo pôde ser recompensado nesses dois últimos episódios. Eles são extraordinários! A guerra contra a Horda chega a seu ponto máximo. Tem surpresa atrás de surpresa e o novo personagem dessa temporada, Double Trouble, é muito bem aproveitado – o texto dele é perfeito. Por fim, o gancho para a próxima temporada se realiza com a chegada do líder da Horda – personagem que, na série clássica, só chegamos a conhecer sua mão direita. Cintilante é sequestrada e She-Ra perde sua espada e seus poderes.

Acredito que na quinta temporada a Netflix entregue um trabalho de qualidade, como tem feito sempre. A esperança é que a narrativa de Adora e cia caminhe em um ritmo um pouco mais constante. Gostamos quando as coisas “acontecem”. E é irritante que tudo sempre tenha que ocorrer no final, de uma vez só, em um emaranhado de informações e ao mesmo tempo. Dá pra fazer a narrativa ser mais estável, menos maçante. Assim, obras como essa podem seguir sem ter que perder a qualidade. We must be strong!