De muitas instituições que podemos fazer parte, há uma imensa e fundamental que será levada para toda vida: o grupo familiar. Tal grupo é responsável no processo de formação de um indivíduo, pois dele vem a ótica que começamos a moldar acerca da sociedade. É muito mais fácil considerar um número de amigos como uma família do que de fato escolhermos uma família para fazer parte. Já nascemos ou somos transferidos como membro de um grupo com a necessidade de aprender nele, mas o que seria crescer com pessoas incapazes de oferecer carinho e afeto? Nessa premissa, Os Irmãos Willoughby (The Willoughbys, 2020) dá partida a essa história sobre pais, filhos e família, de maneira sensível e tradicional.
Clássico da Sessão da Tarde e de nossas infâncias, assistir a Maltida (1996) era um encontro de raiva cada vez que vimos como a pequena garota era tratada pela família, além de que na escola todo sofrimento tomou proporções maiores com o regime autoritário da diretora. Mas foi também lá que ela pôde explorar a capacidade e inteligência que a seus pais pouco importavam. Depois da raiva, vinha a satisfação por Maltida ser amada no final — e quem não queria possuir tais poderes? A também adaptação literária, Os Irmãos Willoughby, traz a trama de quatro irmãos, os gêmeos Barnaby, Jane e Tim sofrendo o abuso diário das figuras que mais deveria amá-los: os pais. Assim, eles traçam o plano de se livrarem deles para que então possam constituir a família exemplar que imaginam.
Usando a quebra da quarta parede como recurso narrativo, entramos na animação com um recado: o que vamos ver não é algo leve, nem bonitinho. Há algo tortuoso e cruel que precisamos conhecer. A suavidade de acompanhar o perrengue de crianças sendo ignoradas, passando fome, culpadas por suas necessidades físicas e emocionais, e também, carentes de informações básicas de, por exemplo, como atravessar a rua, é o simples fato do filme se tratar de uma animação em 3D, com traços estilizados e detalhes que chamam atenção pela criatividade, somando toda beleza visual a um tom infantil, cores e distrações que a linguagem permite inserir.
Em meio às situações arranjadas para o humor, com referências a outras animações, como Os Incríveis (The Incredibles, 2004) e facilitações do enredo, o filme não deixava esquecer que os relatos seriam incômodos e revoltantes. É um vínculo natural, e a última pessoa que uma criança irá querer sentir repulsa é de seu pai ou de sua mãe. São deles que o pequenino, mesmo depois de crescido, vai apelar para a comunicação fraternal, pro jeito que só o pai tinha, para a solução que só a mãe tinha. Da infância construída com eles que terão as primeiras lembranças, a descoberta para o que gostam ou não de comer, nada disso os Willoughbys tiveram. Em troca ganharam insultos e murmúrios vindos de pais extremamente egoístas, exagerados, preocupados em realizar suas carícias, ambições e caprichos fúteis.
Por entre convivências assim que vem a projeção de como seria uma família ideal. Pais legais? Irmãos que não brigam? Um lar sem gritaria, harmonioso, com sintonia e empatia? Ter apenas o que comer e onde deitar a cabeça? Pessoas que se comunicam? A única coisa que os irmãos tinham como exemplo era o histórico belos dos retratos da família, e a frustração de que com eles não seria o mesmo: ainda que se livrando dos pais, não sabiam como dar conta por não terem nenhum conselho, experiência compartilhada pelos adultos. Com muita descontração e acontecimentos atrapalhados, o longa insere consequências que surgem quando crianças se encontram e tentam fugir de relações de abuso, até cair a ficha de que seus progenitores não se importam com nada além do que acontece na bolha egoísta onde convivem.
Graças as cores e a fofura, a dureza da história pode ser encarada com a esperança de um final aconchegante, já que as habilidades de Matilda estão longe de tal realidade. E apesar de utilizar da quarta parede para contrariar saídas fáceis do roteiro, o artifício de falar com o espectador não retira a questão de que há um excesso de familiaridades na animação para o efeito cômico, ou, da bagunça total que precisa ser reparada antes do desfecho. Típica comoção do melodrama incorporado no ápice, tornando as coisas mais emocionantes. Seja como for, Os Irmãos Willoughby mistura doce e amargo numa produção que sabe sensibilizar e divertir. Crianças merecem o mundo, arco-íris e amor.
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Ama ouvir músicas, e especialmente, não cansa de ouvir Unkle Bob. Por mais que critique, é sempre atraído por filmes de terror massacrados. Sua capacidade de assistir a tanto conteúdo aleatório surpreende a ele mesmo, e ainda que tenha a procrastinação sempre por perto, talvez escrevendo seja o seu momento que mais se arrisca.