O que estava bom, só fez ficar melhor, muito melhor. É com esta definição que dá para atribuir a esta terceira temporada de Ozark (2017 – ), mas são tantas as emoções que seria pouco resumir esse novo ano a uma única frase. O que sempre será incansável de dizer é que a série é um potencial imenso onde a Netflix tem investido e, felizmente, tem alcançado mais audiência. Sem mais delongas, o que não faltam são elogios, pois uma vez em Ozark, é difícil querer desvencilhar.
Após seis meses em que Wendy (Laura Linney) e Marty (Jason Bateman) conseguiram tocar o cassino com o auxílio de Ruth (Julia Garner), não demorou muito para que o verão mostrasse que não traria só lucros, mas também a dualidade dentro do cenário de poder e dinheiro: a guerra contra nós mesmos.
É mesmo uma linha tênue que há entre as escolhas que fazemos e suas respectivas consequências. Talvez pela adrenalina de ultrapassar os limites pela sensação que terá, nem refletimos o que seremos em seguida. Mas volta e meia vem a reflexão se ainda poderemos ser bons, afinal, depois de superarmos o certo e o errado, a moral e o imoral, experimentado um pouco do gole da maldade, nos restaria alguma dignidade para sermos bons sem culpa? O conflito é inevitável; o questionamento de se vale tudo se por fim pudermos ter o benefício de nos sentir melhores. Tudo tem um motivo, fazemos isso para evitar aquilo, esta escolha foi necessária, e por aí vão as desculpas para ainda sermos bons, porque, claro, ninguém é tão bom que não tenha se sujado ao menos uma vez.
Tal dilema os Byrdes enfrentam constantemente: se estão se sabotando, com o diálogo quebrado, persuadindo, ludibriando, subornando, ameaçando, o propósito é fazer o acordo acontecer e manter a família ilesa. O reflexo disso, a terceira temporada apostou em cheio, desenvolvendo a intensidade emocional do show de forma primorosa. Como bem já sabemos, por ter curiosidade, Jonah (Skylar Gaertner) se mostrava otimista mesmo vendo as inúmeras situações desastrosas e perigosas em que os pais se envolveram, tendo em contrapartida a reação desesperada de Charlotte (Sofia Hublitz) para não ter seus princípios corrompidos pelo caminho que Marty e Wendy vem traçando. Por isso, a chegada de Ben (Tom Pelphrey) irmão de Wendy a esta altura do campeonato foi um acerto estrondoso e fundamental para o rumo da temporada.
De início, vale aqui um adendo para a atuação de Tom ao interpretar um personagem que sofre de bipolaridade e ansiedade, entregando de maneira impecável o retrato do transtorno. Foram momentos intensos e angustiantes e que só elevaram a qualidade que a série tem para oferecer, e depois, por mais uma vez provar como Ozark não enrola para entregar o que se propõe. Com isso, nem mesmo trazendo um novo personagem (que poderia resultar em um pretexto para encher linguiça) os roteiristas deixaram de aproveitar ao usar a doença de Ben como o ponto chave de contestação às práticas dos Byrdes, a pose, ao discurso, a aparência e tudo que proferem em nome da boa fé enquanto o entulho se mantém debaixo do tapete — ao menos, para a cidade, em favor da imagem que vendem como empreendedores.
A passagem disto com certeza deixou uma ruptura irreparável e que só elevará os questionamento acerca desta família tão exemplar aos olhos da região de Ozark: o que os Byrdes ainda são depois de serem testados até o limite que nem imaginavam? O aspecto crucial que movimenta a série é exatamente escancarar com veracidade os conceitos maniqueístas que vemos ser indagados e debatidos na sociedade. Dá mesmo para ser um monumento perfeitinho que poderia ser posto numa caixa e vendido como exemplo de alguém imutável? Ao sairmos de casa, estando em um transporte público, caminhando na avenida entupida de gente, há ali os mocinhos e os vilões? O dito cujo que nunca cometeria nada além do básico, seguindo sua rotina meticulosamente, sem nem cogitar ir contra as regras, e no final permanecer irrepreensível?
Sim, Ozark se dispõe a contrariar isso ao fazer a força da sua atração pessoas tão corrompidas em suas verdades que ainda torcemos por um desfecho positivo diante do caos. Os Byrdes são tão caóticos e cegos no próprio jogo que atraem nuvens de semelhança, as tratando com normalidade já que o maior poder que exercem vem do dinheiro, da persuasão e do que investem para se manterem dominantes na jogada. E o que resta depois disso? É como aquela sensação estranha de quando estamos fazendo algo comum na frente do espelho e por um momento nos perguntamos quem somos, o para onde vamos ou fizemos tudo certo. É possível se reconhecer depois de alcançar o nível mais baixo?
Talvez, a graça nesta série criada por Bill Dubuque e Mark Williams esteja no fato de não querer se sustentar com momentos grandiosos para soar acima da média, mas por abraçar com exatidão o declínio gradual que os Byrdes e todos ao redor vão se afundando cada vez mais ao mesmo tempo que querem superar o quanto antes para então aceitarem e viverem bem com suas escolhas. Não importa muito quem, se o meu calo não for o atingido.
Partindo para outros aspectos, desde o ponto em que a atual temporada deu início até a chegada surpreendente da season finale, é inegável que Ozark sabia muito bem o caminho que queria estabelecer. Um indício disso foi trabalhar com os personagens em arcos isolados, que pareciam até destoantes para o perfil da série (Darlene e Wyatt, falo de vocês), contudo, todos os acontecimentos convergiram para um futuro promissor que o show ainda nos reversa, provando mais uma vez que os roteiristas não perderiam a oportunidade de elevar a qualidade e virtude de figuras importantes para o tabuleiro. Sendo assim, pela primeira vez Ruth tem algo sólido para ser explorado e que deixou o público ansioso por tal empreitada, depois de tanto ser espremida e pouco valorizada pelos Byrdes, ainda que desse seu sangue como garantia de sua lealdade.
Ao chegar ao final, é prazerosa a sensação que dá de acompanhar uma série primorosa como Ozark, e perceber que a cada episódio não cansa de se fazer envolvente e viciante, seja ao prestigiar com sua fotografia, com a excelente direção ou pelo empenho do protagonismo feminino. A boa notícia é que o show caminha para seu último ano, apontando querer terminar com todas as arestas bem amarradas e com potencial de não deixar a peteca cair. Ou como melhor poderia dizer, findar no auge do seu reinado.
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Ama ouvir músicas, e especialmente, não cansa de ouvir Unkle Bob. Por mais que critique, é sempre atraído por filmes de terror massacrados. Sua capacidade de assistir a tanto conteúdo aleatório surpreende a ele mesmo, e ainda que tenha a procrastinação sempre por perto, talvez escrevendo seja o seu momento que mais se arrisca.