Surpreendeu absolutamente todo mundo que eu conheço o anúncio de que o novo filme do Hellboy, personagem criado pelo quadrinista Mike Mignola na década de 90, não seria uma continuação que fecharia uma trilogia para os filmes de 2004 e 2008, ambos dirigidos por Guillermo del Toro, com o ator Ron Perlman interpretando o papel que parece ter nascido pra fazer. O novo filme seria totalmente independente dos anteriores, com novo elenco e com o protagonista já ativo no B.P.R.D., a agência secreta americana responsável por atividades sobrenaturais. O fato de o novo filme ser independente e não mais comandado por del Toro, me entristeceu imensamente, já que há mais de dez anos espero ao menos um fechamento para o que seria uma belíssima trilogia. Del Toro, como se sabe, é um apaixonado pelo gênero horror e por criaturas e monstros malignos, criando uma identidade própria não só por seu estilo de direção e temática fantástica, mas também para o design das criaturas que aparecem em seus filmes, o que foi extremamente enriquecedor para os dois filmes do anti-herói. Assim, pelo menos para quem nunca teve contato com os quadrinhos de Mignola como eu, os dois filmes foram fantásticos, apresentando personagens interessantíssimos e com ótimos efeitos especiais.
Mas, infelizmente, não estamos aqui pra falar dos filme de del Toro. O novo Hellboy (2019) é dirigido por Neil Marshall, responsável por alguns filmes de terror na virada para os anos 2000 e que ultimamente vinha se dedicando a dirigir episódios de séries, enquanto ficou para David Harbour a difícil tarefa de superar ou ao menos igualar Perlman como o moço infernal. Logo de cara temos uma narração do Professor Broom (Ian McShane) explicando quem será e as motivações da vilã do filme, uma bruxa milenar chamada Nimue (Milla Jovovich), derrotada e aprisionada pelo Rei Arthur muitos anos atrás.
A narrativa não poderia ser mais genérica, e mesmo que isso pudesse ser contornado (os dois filmes de del Toro não são esse primor todo de roteiro) a forma como ela é conduzida não ajuda em nada para criar algum tipo de complexidade para o filme. A vilã é genérica, com seu lacaio sempre às ordens, o grupo formado para acompanhar o protagonista é genérico (e tinha potencial pra não ter sido), a maldição que cerca o destino de Hellboy é genérica (claro que isso é canônico dos quadrinhos, mas é tudo tão óbvio que não conseguimos não revirar os olhos a cada vez que algo que deveria ser muito surpreendente é mostrado com toda obviedade possível), e finalmente, o próprio Hellboy é genérico. A culpa nem é de Harbour, mas o personagem escrito para ele não passa de um adolescente vermelho com chifres serrados e uma manopla de concreto no lugar da mão direita. Não que, de certa forma, isso já não fizesse parte da personalidade do personagem em outras versões, mas isso não quer dizer que ele precise ser tão passivo como é apresentado neste filme. O que parece é que Hellboy é apenas levado pela narrativa, enquanto esmurra monstros gigantes e bruxas russas pelo caminho até chegar à vilã.
O filme até poderia tentar compensar a falta de criatividade da narrativa com um bom design de produção, e ele até tenta, alguns cenários são realmente bem interessantes, como o casarão movido por um par de pernas de pássaro gigante onde habita a bruxa Baba Yaga, e a própria bruxa em si é bem assustadora, mas a maior parte dos efeitos que compõem as criaturas do filme são quase sofríveis de se ver (o efeito do fantasma saindo da boca de uma das personagens é especialmente horroroso). As cenas de ação também tentam compensar, e chegam a ser divertidas, mas não passam muito disso. E não sei nem se vale a pena mencionar o terrível timming de humor do filme, que se esforça ao máximo pra emplacar ao menos uma piada que funcione, mas falha em todas as tentativas.
É lamentável que um universo tão rico como o criado por Mike Mignola seja desperdiçado de forma tão irresponsável como foi feito aqui, ainda mais quando já tínhamos começado tão bem anos atrás. O sentimento que fica após ver o filme é saudade. Saudade do que ainda não vivemos: um terceiro filme do vermelhão dirigido por Guillermo del Toro. Quem me dera.
Cineasta e Historiador. Membro da ACECCINE (Associação Cearense de Críticos de Cinema). É viciado em listas, roer as unhas e em assistir mais filmes e séries do que parece ser possível. Tem mais projetos do que tem tempo para concretizá-los. Não curte filmes de dança, mas ama Dirty Dancing. Apaixonado por faroestes, filmes de gângster e distopias.