Quem foi ao cinema desavisado, munido apenas com a leitura da sinopse e sem qualquer referência dos antecedentes de Edgard Wright, de Scott Pilgrim Contra o Mundo (Scott Pilgrim vs. the World, 2010) Todo Mundo Quase Morto (Shaun of the Dead, 2004), iniciou a experiência com a impressão de uma sequência um tanto quanto Velozes e Furiosos adolescente, mas foi presenteado, no decorrer do filme, com um mix de gêneros cinematográficos, dentre os quais musical, romance e thriller policial, alternados pelo ritmo alucinante de uma trilha sonora que narra a história do começo ao fim.
Baby (Ansel Elgort) é um jovem com facetas distintas e contrastantes. Quando ao volante, sempre comandado pela música tocada em seu iPod, é um exímio motorista de fugas, frio e calculista, nada comunicativo, mas excepcional em realizar as tarefas criminosas repassadas por Doc (Kevin Spacey). Já na sua vida pessoal, é um doce filho que cuida do seu pai adotivo Joseph (CJ Jones), que é mudo (mas é o locutor das mensagens mais profundas do filme) e repete a conhecida fórmula do bom moço desajeitado e tímido para o amor, ao conhecer e se apaixonar por Debora (Lilly James). O protagonista carrega consigo o trauma de um acidente automobilístico que vitimou fatalmente seus pais – mostrando, ainda, um quadro de violência doméstica sofrido por sua mãe – e lhe causou, além de sutis cicatrizes, um zumbido incessante que reduz sua audição, sendo a música uma forma de abafar a sequela e apurar seus demais sentidos.
Diante da sua capacidade de dirigir a altíssimas velocidades em qualquer situação, é obrigado por Doc a ser o motorista de um último grande roubo por ele orquestrado, executado por uma equipe formada pelo casal de criminosos Buddy (Jon Hamm) e Darling (Eiza González Reyna), bem como pelo impulsivo e temperamental Bats (Jammie Foxx). Nesse cenário de filme de ação policial é que Wright constrói sua trama mais madura e completa, alternando drama, romance, comédia e muitos tiros ritmados por uma trilha sonora incessante.
Poderia eu ser simplista e dizer que a obra não foi autêntica por me remeter aos clássicos do cinema de ação que trazem consigo o rock and roll, o blues e o R&B, como Assassinos por Natureza (Natural Born Killers, 1994) e Cães de Aluguel (Reservoir Dogs, 1992), ou àqueles filmes que aliam insistentes diálogos de assuntos banais a sequências velozes de tiros e sangue, vide Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes (Lock, Stock and Two Smoking Barrels, 1998) e Snatch – Porcos e Diamantes (Snatch, 2000), do Guy Ritchie, além de me deixar um ar nostálgico de anos 80-90 com a bela, inteligente e proposital paleta de cores (só eu fiquei pensando em Ferris Bueller e me imaginei vendo Baby Driver nos anos áureos de sessão da tarde?).
Mas longe de o filme ser um mero emaranhado de referências do cinema e da cultura pop. O diretor e roteirista criou uma história simples, mas a contou de uma forma genial, com planos sequências extremamente conectados às músicas que regem as ações do protagonista e definem o sentimento do expectador (adrenalina, nas cenas de velocidade; ansiedade nas cenas de ação; complacência, nas cenas de romance, etc.), causando, assim, sua imersão nos dramas pessoais e no desenrolar desastroso dos dias de Baby.
Construiu, também, um personagem com características comuns, mas que causa uma dubiedade de sensações: ele é bom, gentil, inteligente, mas comete crimes – e em momentos sutis, parece no fundo sentir-se empolgado com isso, vez que é a única circunstância em que mostra a todos o que faz de melhor. Vale destaque, pois, a excelente escolha de Ansel Elgort para o papel, que surpreendeu na atuação e se encaixou perfeitamente na proposta do controverso herói, ao contrário do veterano e, agora, compulsoriamente aposentado, Kevin Spacey que apresentou um mais do mesmo.
Por fim, vale exaltar o excepcional desfecho da história escrita pelo despretensioso e subestimado roteirista e diretor, e torcer para que, finalmente, Edgard Wright tenha ampliado o seu alcance para além do seu fiel fandom e do limitado público do cinema geek e independente.
Formada em direito pela UFC e em medicina pelo Grey’s Anatomy, Larissa é canceriana e dona de um gato maluvido chamado Jimmy. Adora Beatles, Amy Winehouse, viajar e acha o Artpop uma obra de arte. Nunca recusa um bom café e uma boa conversa sobre cinema, contanto que não tenha spoiler.