The Square: A arte da discórdia – Um filme pode perder muito ao cruzar o Atlântico

O que pode dar errado na vida de um homem branco da classe média sueca, diretor de um museu de arte importante do país? Ele não é mais jovem, mas também não é velho, se veste de maneira elegante, tem um carro novo, um apartamento bonito e é o “chefe”, por assim dizer, do museu. Mas não, eu não vou interromper este parágrafo com um “até que”. Realmente nada de errado acontece na vida do protagonista, do começo ao fim. Nem de certo.

Christian (Claes Bang) foi recém-promovido a diretor do museu e aparenta não estar nervoso ou intimidado pela responsabilidade nova, como era de se esperar. Pelo contrário: ele chega um pouco atrasado na reunião, faz improvisos nada éticos, ensaia espontaneidade no espelho do banheiro e flerta com colegas de trabalho. Ele sabe que pode fazer tudo isso e sabe também que pode ignorar completamente os mendigos que lhe pedem esmola na rua enquanto fala pra centenas de pessoas, na abertura da nova exposição, sobre a beleza e necessidade de cuidarmos uns dos outros. “The Square” é o nome da exposição e, nesse momento do filme, já se percebe o tipo de trama que vem pela frente: um filme sobre a contradições da classe média europeia.
Se já se sabe o que vem pela frente, o que mantém a vontade de continuar assistindo são algumas cenas muito boas de situações constrangedoras pela quais Christian passa. Como quando ele e a colega de trabalho que ele leva pra cama brigam por uma camisinha (usada) ou a cena em que um ator faz papel de gorila e aterroriza os convidados ricos de um jantar beneficente promovido pelo museu (a melhor cena do filme, diga-se). Nenhuma dessas inúmeras situações faz ele mudar ou repensar verdadeiramente sua vida. Mas fazem o espectador rir um pouco.

É repleto de pequenos incômodos, mas nenhum deles chega a ser um incômodo real e definidor da sua vida. Christian passa por tudo, de derrubar uma criança da escada a autorizar um vídeo viral de promoção do museu de qualidade duvidosa, de maneira incólume quanto a seu jeito de ver o mundo e até na maneira como é visto pelas pessoas. Em nenhum momento seu caráter é realmente questionado por ninguém, coisa que não aconteceria se fosse uma mulher ou se fosse aqui, no terceiro mundo. Sim, ainda há isso: vários “problemas”, quando cruzam o Atlântico, chegam a ser risíveis. É um filme europeu sobre o modo de vida europeu e, desculpem, mas já estamos bem cansados disso.
A solução dada para fechar o arco do personagem parece forçada, na verdade: levar para o lado sentimental. Claro que não funcionou, já que isso não foi desenvolvido ao longo do filme. Acaba que a gente sai da sala com essa sensação de ter sido enganado mais uma vez. Alguma cenas muito boas e personagens bons que podiam ter sido mais aprofundados (a começar pelo protagonista), mas é só. Talvez faça mais sentido acima da linha do Equador.
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Jayane Ribeiro
Sapatão com orgulho, amante de gatos e de ter tempo livre, Jayane escreve, desenha, devora livros, cozinha, canta, faz crochê, bordado, macramê e de algum jeito conseguiu se tornar médica em meio a tudo isso. Adora poesia, zines, fazer trilhas, viajar e não economiza na hora de comer e beber bem. Trocou a televisão por uma vitrola na sala de estar e nunca dispensa um chocolate.