Melhores álbuns de 2017

Dois mil e dezessete não foi dos anos mais previsíveis e o mundo da música refletiu isso. Este ano vimos o Harry Styles se aventurar, com sucesso, longe do cansado One Direction. Vimos a Katy Perry vender um rim, sem sucesso, para emplacar seu novo álbum. Vimos a Taylor Swift explorar até o fim seu projeto de rixa com a Katy Perry para vender mais álbuns e se manter relevante. Vivemos para ver Fever Ray lançar mais um álbum e a Charli XCX colaborar com a Pabllo Vittar. Falando em Pabllo, vimos uma drag queen desafiar as leis do universo e invadir o mainstream no Brasil. Teve Anitta-orgulho-nacional e o funk carioca se tornando produto de exportação. Por aqui, em Fortalcity, a surpresa do ano foi o ótimo Tropical Technology da New Model (fica aqui a menção honrosa). Em meio a tudo isso, alguns trabalhos se sobressaíram, e abaixo estão os cinco melhores álbuns (sem ordem específica) que eu ouvi neste ano incomum.

 

Se você também achou que a Lorde tinha potencial, pelos bons singles que ela lançou em 2013 (principalmente a ótima “Team“), mas achou o seu álbum de estreia, “Pure Heroine“, monótono e superestimado, o Melodrama é para você. O álbum novo mostra uma evolução expressiva da Lorde como compositora, e a relação simbiótica entre ela e o Jack Antonoff (produtor e vocalista do Bleachers, antigo baterista do Fun) levou a produção do álbum a um outro patamar. A melancolia que permeia o trabalho da cantora neozelandesa continua intocada, mas o Melodrama tem mais cores. Há, inclusive, várias faixas uptempo e “amigonas da radio” que fazem a gente se sentir bem! Elas ilustram alguns dos melhores (“Green Light“, “Sober” e “Homemade Dynamite“) e dos mais fracos, porém decentes (“Supercut” e “Perfect Places“), momentos do álbum. Mas o coração do Melodrama, como não poderia deixar de ser, é sofrência. E é justo nesse “miolo” do álbum (“Liability“, “Hard Feeling/Loveless” e “Writer in The Dark“), quando a Lorde reflete sobre o lado obscuro da fama e dos próprios relacionamentos, que o trabalho se aproxima de uma obra prima mesmo. Esse equilíbrio da tracklist e a afinação entre letras, melodia e produção fazem do Melodrama um dos melhores álbuns deste ano e, sem dúvidas, o melhor álbum da cantora até hoje.

 

Se eu não tivesse ouvido o Ctrl e topasse com a SZA hoje em dia no Twitter, eu acharia que ela é uma espécie de Gaby Amarantos em 2012, só que nos Estados Unidos em 2017: nem todo mundo tem interesse, mas a TV, a internet e a crítica vão te empurrar ela goela abaixo. Confesso que tive minhas dúvidas sobre até que ponto todo esse hype refletia a qualidade musical do trabalho da moça. Mas uma coisa o Spotify não me deixa negar: o Ctrl foi de longe o álbum que eu mais escutei em 2017. Quem viveu comigo este ano sabe que os singles “Love Galore“, “The Weekend” “Supermodel” e “Drew Berrymore” não saíram da minha cabeça e da minha cantoria desafinada. O motivo do sucesso de público e de crítica do Ctrl passa pelas melodias R&B bonitas e pouco óbvias que a SZA costura com a sua língua ferina. Ferina por que com ela não tem frescurinha meias palavras, a cantora manda tudo na lata. Vide “The Weekend“, na qual ela manda avisar que tá pegando seu homem no fim de semana, mas três dias por semana tá ficando pouco, e ela tá pensando em tomar ele de você definitivamente. Dá pra acreditar que ela consegue fazer isso soar bonito? O álbum não é perfeito. Em alguns momentos, como na enfadonhas “Prom” e “Go Gina“, a composição poderia usar um pouco mais de esmero. A produção passeia bem entre o leve, o denso e o emocional quando as músicas pedem. Essa, para mim, é uma dos elementos que faz o Ctrl ser incrível: ele sabe quando respirar, quando não se levar tão a sério. E sabe quando a gente só precisa de um tempinho pra curtir a produção excelente e digerir mais um “sincericídio” que a SZA acabou de cometer.
Quando eu conheci a St. Vincent, em 2014, com o álbum homônimo “St. Vincent“, um pensamento, entre muitos, se sobressaiu nesta cabeça confusa: “Que mulher!”. A Annie é cool que dói. E é justamente este “cool” que ela mostra pra câmera na capa de MASSEDUCTION, vestindo um maiô de oncinha, uma meia calça rosa e um sapato de salto fino vermelho e lustroso. Essa pinta de drag diva post punk dos anos 80 dá as caras na produção principalmente eletrônica do álbum, e é exatamente essa Annie, meio mãe da Matilda (aquele filme da sessão da tarde), que eu imagino cantando “Pills“, “Masseduction” e “Sugarboy” num bar meio derrubado em Nova York. No entanto, mesmo quando a cantora encarna essa persona, o álbum reafirma o que parece ser da essência da St. Vincent como artista: é embaraçosamente autobiográfico e honesto. Cada faixa do MASSEDUCTION é uma espécie de crônica sobre a sociedade contemporânea, partindo, principalmente, das vivências da sexualidade da própria Annie. “I can’t turn off what turns me on” vai ser meu mantra em 2018. Mas tem espaço pra chororô também. “New York” é uma balada pop bonita, daquelas de dar um apertinho no coração e “Happy Birthday, Johnny” enfia a faca no peito e roda. Dica: façam uma playlist com “Prince Johnny“, do álbum passado, seguida de “Happy Birthday, Johnny” e deem play. Parece uma continuação mesmo, duas músicas, escritas pro mesmo Johnny em momentos diferentes da vida desse personagem. Se deem esse presente.
Verdade seja dita: o No Shape do Perfume Genius não é uma audição fácil. Não por que ele exija muito esforço intelectual do ouvinte, mas por que o álbum é uma jornada emocional densa. Lembro de ter tido dificuldade para dormir quando terminei de ouvir este disco pela primeira vez, principalmente em “Choir“, faixa na qual o Mike Handreas (personalidade por trás do Perfume Genius), ironicamente, narra uma noite em claro, insone, na qual ele sente a presença de algo sobrenatural, um coro que só ele ouve. Treta braba. Neste álbum nada é minimalista, tudo adquire proporções imensas, “mais é mais”. Até em comparação com o excelente e dramático Too Bright de 2014, aqui a produção é mais apoteótica, monumental, brilhante, unindo bem elementos instrumentais acústicos e distorções digitais. Às vezes um piano ou uma guitarra elétrica sozinhos são tão distorcidos e reverberados que soam como uma grande orquestra sobrenatural. Esse “exagero” parece refletir as dimensões que os pensamentos do Mike tomam dentro da cabeça dele. Várias músicas no álbum ultrapassam quatro minutos com pouquíssimos versos. Cada sílaba e cada palavra são meticulosamente enunciadas. E ecoam.
Eu fui apresentado ao Flower Boy pelo single “See You Again“, uma colaboração do Tyler com uma artista promissora que eu acompanhei avidamente em 2017, a Kali Uchis. Para quem não tem tanta afinidade com o hip hop ou nunca deu uma chance para o Tyler, The Creator, essa balada linda sobre uma paixão idealizada pode ser um bom termômetro. Algo que chama atenção nesta música é a quebra dos papeis de gênero tradicionais nesse romance impossível: a Kali (figura feminina) é quem vai para a guerra e pede ao seu objeto de desejo que a beije para sempre antes de ela partir. O fato de este tema (a inadequação aos papeis de gênero tradicionais) permear boa parte deste trabalho faz dele um álbum necessário para a cena do atual hip hop estadunidense, tanto que a mídia especializada não falou de outra coisa a não ser a “saída do armário” do Tyler na excelente “I Ain’t Got Time“. Um dos principais méritos do Flower Boy é o excelente trabalho de produção em todas as faixas, unindo as músicas mais amenas e poéticas às mais pesadas e distorcidas. A identidade do álbum orbita em torno dessa dualidade da personalidade do Tyler e o resultado é um trabalho coeso e extremamente rico em significados.
—-
Ycaro Coelho
Concurseiro formado em Direito procurando seu lugar no universo. Apaixonado por arte, pois sua sanidade depende disso. Já fez teatro, já cantou numa banda e foi popstar na deep web em 2009. Catedrático em RuPaul’s Drag Race e profundo conhecedor de Steven Universo. Seu filme trash favorito é o subestimado As Panteras: Detonando. Ama macarrão, açai com leite ninho e qualquer coisa com manjericão. Às terças, quintas e sábados trabalha de noite como sommelier de pizza de bairro.