Desde os tempos antigos, a raça humana tem por habilidade natural o poder de fabular. Seja na época das cavernas ou no Egito antigo, passando pelos gregos e o Império Romano, homens e mulheres sempre contaram histórias de seres monstruosos, fantasias e guerras. Não seria a Odisseia, livro literário importantíssimo de Homero, uma viagem sem fim por um mundo habitado por monstros, após a Guerra de Troia? Ou a série de contos publicados no século XIX pelos Irmãos Grimm uma releitura dos contos de fadas clássicos? Ou mesmo os romances de Mary Shelly e Bram Stoker que tratam o horror e o terror como substância para o surgimento de monstros e usaram desses elementos para contar suas histórias. Com o advento da fotografia e, a posteriori, do cinema, os monstros e os contos de fadas ganharam uma nova forma de serem mostrados.
Muitas das vezes, essas histórias fantásticas de monstros e contos de fadas servem para mostrar a condição humana em face da sua própria história e de suas ações que são cruéis ao longo dos séculos. Tão comum, que muitas vezes os monstros adquirem traços de personalidade humana, como compaixão e empatia, enquanto a raça humana adquire os caracteres desvirtuados pela sua própria ambição. Esse pensamento parece ter sido absorvido pelo diretor Guilhermo del Toro em seu mais novo filme A Forma da Água (The Shape of Water, 2017) que concorre em 13 categorias do Oscar, incluindo melhor filme e melhor direção.
Os personagens apresentados são totalmente estereotipados de um conto de fadas ou filme de monstros, mas não preso a eles. A forma como o roteiro trabalha apresentação de personagens, seus problemas e suas soluções é feita de maneira primorosa. A Forma da Água, ao mesmo tempo em que é um filme de monstro, também retrata um drama político de uns EUA paranoico com a Guerra Fria e um belo romance, além de ser uma carta de amor aos filmes clássicos de uma Hollywood cada vez mais esquecida. Esse argumento ganha mais força quando o diretor sabe trabalhar bem atores e atrizes e extrai deles tudo que possam contribuir para o filme. A personagem Elisa (Sally Hawkins) é muda e mesmo sem verbalizar uma fala, transmite todas suas emoções e sentimentos por meio de seu olhar.
A direção do Guillermo del Toro está condizente com seus outros filmes, os planos são belos e a cinematografia é excelente com uma presença de verde ao decorrer do filme. A decupagem é bem suave aliada com uma montagem muito boa e uma trilha sonora muito forte. Esses elementos entregam um filme que tem a capacidade de atrair a atenção do seu público e a prender até o final.
Embora não seja o melhor trabalho do diretor para mim (mas, mesmo assim, certamente figura na lista dos melhores) A Forma da Água realmente merece todas as indicações que tem, é uma carta aberta aos filmes de monstros e à humanidade. Ficando a sensação de ser uma história já vista, mas sem perder o tom de originalidade, seja pela forma com que as personagens são apresentadas ou pela inconfundível cinematografia de Guillermo del Toro.
Atual Vice-presidente da Aceccine e sócio da Abraccine. Mestrando em Comunicação. Bacharel em Cinema e formado em Letras Apaixonado por cinema, literatura, histórias em quadrinhos, doramas e animes. Ama os filmes do Bruce Lee, do Martin Scorsese e do Sergio Leone e gosta de cinema latino-americano e asiático. Escreve sobre jogos, cinema, quadrinhos e animes. Considera The Last of Us e Ocarina of Time os melhores jogos já feitos e acredita que a vida seria muito melhor ao som de uma trilha musical de Ennio Morricone ou de Nobuo Uematsu.