Desde sempre fui um apaixonado por animação. Tive minha iniciação como qualquer outro nos anos 90, com alguns clássicos da Disney em VHS. Anos depois fui ao cinema para ver Tarzan (1999) e fiquei completamente deslumbrado, tanto pelo filme em si – até hoje um dos meus preferidos – mas também com o fato de estar vendo aquilo em uma tela descomunal (até hoje a tela do Cine São Luiz pode ser considerada grande), foi uma das experiências mais memoráveis da minha vida e fundamental para eu me tornar quem eu seria no futuro. Depois disso vieram mais descobertas: Pixar, animação japonesa, européia, técnicas diferentes, stopmotion, pixilation, etc.
Em 2015 passei de apenas um grande apreciador de animações para alguém que também está por trás de tudo que é feito, trabalhando inicialmente como produtor em uma web série independente em stop motion e depois como assistente de animação em um curta metragem derivado desta mesma série. Esta experiência me levou a ficar cada vez mais apaixonado por animação, a querer conhecer mais e mais o que está além do que vemos em tela. Assim, quando soube que um filme sobre o pintor holandês Vincent van Gogh seria todo feito com pinturas em óleo sobre tela minha reação imediata foi desacreditar da ideia, pois imaginei o trabalho enorme que daria para fazer isso. Depois pensei que seria possível mascarar isso, fazendo tudo digitalmente, o que ainda seria trabalhoso, mas infinitamente menos do que fazer tudo á mão. Quando vi o primeiro trailer ainda não consegui acreditar no que estava vendo, e mesmo pesquisando sobre o filme e sua produção ainda fiquei meio desconfiado. Resolvi então esperar sem procurar mais nada, queria conferir aquilo com meus próprios olhos quando estivesse pronto – torcendo para que ele estreasse nos cinemas da cidade.
E finalmente aconteceu. Fui ver o filme depois de já ter ouvido muitos elogios e críticas positivas, e já estava difícil não acreditar que aquela loucura havia mesmo sido feita. Deixei a descrença de lado e entrei na sala disposto a sentir aquilo, e foi bem doido, porque todo o hype que eu não senti durante a espera pela produção do filme me pegou na fila para comprar o ingresso. Quando o cinema ficou escuro e o primeiro letreiro do filme apareceu tive que rir um pouco, pois ele parece que foi feito exatamente para as pessoas que, como eu, custaram a acreditar que algo assim poderia ser feito. Ele dizia que o filme realmente havia sido todo pintado à mão por uma equipe de mais de 100 artistas.
E tenho que dizer que foi INACREDITÁVEL. Certamente uma das experiências cinematográficas mais incríveis da minha vida (agora ao lado do saudoso Tarzan). A beleza de quase sentir a textura da tinta saltando da tela no traço de um dos pintores que mais admiro. Tudo estava ali, as cores, o traço delicado e grosseiro ao mesmo tempo (quem conhece suas obras sabe que isso é possível), a expressividade das personagens. O filme consegue não só realizar algo inimaginável, que é pintar quase 65 mil quadros que foram cada frame do filme, como o faz de forma a transparecer que o próprio Van Gogh produziu aquela animação, justificando o absurdo da técnica usada. Ou seja, nada melhor para falar de um artista do que fazer uso da linguagem que o mesmo usava.
Os diretores e roteiristas Dorota Kobiela e Hugh Welchman tiraram sua inspiração tanto de cartas pessoais do artistas escritas nos – não raros – momentos de crise, quanto das próprias telas pintadas por ele, além dos fatos e teorias que envolvem sua misteriosa morte. O filme inicia um ano após seu suposto suicídio na pequena cidade francesa de Auvers-sur-Oise, e traz o filho de um antigo amigo do pintor numa missão involuntária de entregar uma carta escrita por Van Gogh a seu irmão. Esta missão acaba se tornando uma investigação, quase aos moldes dos livros Agatha Christie, só que com um detetive menos experiente e sagaz do que Hercule Poirot, onde vários habitantes do vilarejo são interpelados pelo protagonista que se vê cada vez mais envolvido com aquilo tudo. Apesar de um enredo simples acredito que criar uma estória onde não se sabe bem o que é verdade ou o que é apenas teoria torna-se muito mais instigante e efetivo do que se o filme contasse trechos da vida do pintor, sua infância ou algo parecido.
Além do visual exuberante é necessário falar sobre a belíssima trilha musical criada para o filme pelo talentoso Clint Mansell, que faz um par perfeito com o que estamos vendo na tela e, claro, a linda canção interpretada por Lianne La Havas que ouvimos nos créditos finais, “Starry Starry Night“, escrita por Don McLean em 1971 e fala sobre as obras e a vida incompreendida de Van Gogh.
Com Amor, Van Gogh (Loving Vincent, 2017) é certamente a melhor homenagem que eu já vi o cinema fazer a uma personalidade e provavelmente é a mais linda e merecida que Vincent Van Gogh já recebeu. É um filme que exala o amor com que foi feito e inevitavelmente contagia quem o assiste. Desafio qualquer um a não sair da sala de cinema dando suspiros ou arrepiado.
Cineasta e Historiador. Membro da ACECCINE (Associação Cearense de Críticos de Cinema). É viciado em listas, roer as unhas e em assistir mais filmes e séries do que parece ser possível. Tem mais projetos do que tem tempo para concretizá-los. Não curte filmes de dança, mas ama Dirty Dancing. Apaixonado por faroestes, filmes de gângster e distopias.