Ilha do Medo (Shutter Island) é o primeiro filme de Martin Scorsese após ganhar o Oscar de melhor direção em 2007 por Os Infiltrados (The Departed, 2006). É interessante notar que o diretor não perde a mão e nem parece ter relaxado em seu primeiro filme depois da premiação, ao contrário, ele faz um esforço hercúleo para tentar se renovar e inovar em seu estilo aqui.
A capacidade de renovar seus conceitos de direção é um marco em sua carreira, desde os filmes urbanos dos anos 70 como Taxi Driver (1976), passando pela comédia e drama nos anos 80, até seus filmes de máfia dos anos 90 como Os Bons Companheiros (The Goodfellas, 1990) e Cassino (Casino, 1995). Scorsese não é um diretor de ficar parado no tempo e busca sempre essa atualização em seu estilo e Ilha do Medo vem nesse sentido de fazer algo diferente até então em sua filmografia.
O filme apresenta a história do agente federal Edward Daniels interpretado por Leonardo DiCaprio que vai até uma ilha que serve como instituição psiquiátrica para investigar o sumiço de uma detenta que é considerada perigosa. Chegando lá, muitas coisas acontecem, desde alucinações do protagonista até o desfecho da investigação. É importante frisar que a película é na verdade um grande recheio de referências e homenagens a grandes diretores e filmes. Basta lembramos que Scorsese é cinéfilo de carteirinha, então ele é capaz de passear entre as referências sem nunca copiá-las, na verdade a homenagem está em um estilo do que em planos propriamente dito.
O filme é classificado como um thriller/suspense psicológico que leva o espectador constantemente a se perguntar se aquilo é real ou em quem devemos acreditar. Pois bem, toda essa atmosfera remete-nos aos grandes filmes de Alfred Hitchcock, principalmente ao excelente Intriga Internacional (North by Northwest, 1959), em que um cara é confundido com um agente secreto e busca descobrir a verdade. Eliminando o contexto de espionagem e paranóia utilizado por Hitchcock, durante a guerra fria, o caráter de suspense que aproxima os dois filmes é a constante incerteza sobre o próximo passo do protagonista em um ambiente em que claramente não é possível confiar em ninguém.
Outro filme que a Ilha do Medo faz referência é O Iluminado (The Shining, 1980) de Stanley Kubrick, a aproximação aqui vem por meio da ilha como espaço físico, claustrofóbico, em que a única saída é a balsa de todas as manhãs que nunca está lá, lembrando o confinamento do personagem de Jack Nicholson no filme de 1980. Nos dois filmes o espaço físico começa a interferir no mental, as coisas tomam outro significado, no filme de Kubrick isso reflete no ambiente de terror transformando um personagem são em louco, no de Scorsese o reflexo está na constante ambiguidade entre a loucura e a realidade que contribui para o aumento do suspense.
Por fim, a última grande referência não é a um diretor ou a um filme específico, mas a um estilo que se popularizou nos anos 40 e que influencia filmes até hoje, trata-se do Noir. No filme está presente não só pela questão investigativa, que era comum e o cerne das histórias desse estilo, mas também pelas questões de fotografia, de arte e até mesmo de roteiro. O figurino é claramente inspirado nos filmes dos anos 40; quanto a trama ela recria bem o tom conspiratório que as histórias Noir tinham; a fotografia por sua vez fecha esse ciclo de referências com iluminação bastante contrastada e um bom jogo do claro e escuro.
Contudo o filme comete alguns deslizes que não chegam a prejudicá-lo, mas que podem incomodar os fãs do diretor ou do gênero. O primeiro deles é a escolha por alguns planos que não ajudam o contar da história, há partes em que planos são desnecessários ou que poderiam ser resolvidos aglutinando algum deles em planos maiores, o filme alterna entre planos desnecessários até outros que são geniais. Segundo aspecto negativo é a necessidade que o roteiro tem para explicar algumas situações, é o famoso mostre e não conte. Todavia nada disso tira o bom trabalho do diretor e da sua equipe e elenco, entregam um bom filme de suspense e thriller, que apesar de ser um conglomerado de referências, foge das convenções do gênero.
Atual Vice-presidente da Aceccine e sócio da Abraccine. Mestrando em Comunicação. Bacharel em Cinema e formado em Letras Apaixonado por cinema, literatura, histórias em quadrinhos, doramas e animes. Ama os filmes do Bruce Lee, do Martin Scorsese e do Sergio Leone e gosta de cinema latino-americano e asiático. Escreve sobre jogos, cinema, quadrinhos e animes. Considera The Last of Us e Ocarina of Time os melhores jogos já feitos e acredita que a vida seria muito melhor ao som de uma trilha musical de Ennio Morricone ou de Nobuo Uematsu.