Retrato de uma paisagem
Peixes Voam no Asfalto Quente de Clébson Oscar |
A Mostra Percursos, formada por alunos da Universidade Federal do Ceará, vem sempre com filmes que dialogam de alguma forma com elementos da nossa sociedade e cultura, de maneira geral. Dito isso, os filmes que compõe a sessão Retrato de uma paisagem tentam pensar uma maneira como um corpo interage com o espaço de alguma forma, seja ela propriamente física ou sentimental. No filme Qual seu muro?, o diálogo se dá de forma um tanto quanto diretamente, ao fazermos uma performance no qual pessoas seguram cartazes e esperam a interação voluntária dos transeuntes das ruas e das praças de Fortaleza. O diálogo com o espaço se dá de forma voluntária e leve, questionando as reais interações do cotidiano e como, na maioria das vezes, estamos aquém de nossas relações. A forma de segurar os cartazes e da maneira como as pessoas olham, acaba fazendo com que o filme pareça um prelúdio de uma grande dança em que os dançarinos se encaram e usam a cidade como um grande palco. Em Peixes voam no asfalto quente, temos um dos filmes mais sentimentais da sessão, assumidamente uma vídeo-carta, o filme é uma mistura de sensações e sentimentos que envolvem dois amigos que, embora distantes um do outro, se comunicam por meio dessa carta. O filme traz imagens de Fortaleza, cotidiano do diretor, seus locais familiares juntamente com os sons do Rio de Janeiro, essas sugestões e diálogos entre som e imagem produzem um dos filmes mais bonitos da sessão. Autoestrada é uma ode aos cinemas de interior e a magia de ir ao cinema em meio a praça, o filme traz imagens de diversas cidades no interior do Ceará e como elas esperam o cinema chegar, permeado várias vezes por imagens sobrepostas, o curta repassa o encanto do cinema e pensa no cinema como um corpo material que interage com o espaço que é o interior do Ceará.
Muros de Sunny Maia e Pedro Palácio |
Bike tape pai e filho é uma plena mensagem de amor de um pai para com o filho em um simples ato de andar de bicicleta. Vemos como o corpo é inserido em um bairro de Fortaleza e como esse corpo se molda a ele. Sempre permeado com uma trilha sonora potente que conduz a narrativa e entrega um filme emocionante. Muros talvez seja o filme que mais inove no tocante a linguagem dessa sessão, composto por falas em off de uma entrevista com os moradores do bairro Pici e por imagens retiradas do google maps, o curta entrega uma das mais duras realidades ao mostrar como ao mesmo tempo em que a universidade está tão próxima, ela encontra-se tão distante da população que está ao seu lado. Entre é um filme que de certo modo dialoga com Muros, a temática é parecida, mas a maneira como é feito é diferente, dessa vez temos a presença da câmera que realmente capta a imagem do muro, sem o recurso das vozes em off, o filme tende para um lado mais contemplativo e menos direto, é um filme com uma possibilidade de interpretação enorme.
O Estranho Sem Nome
Na segunda sessão do dia o bom e (ainda não tão) velho cinema de gênero dominou a Mostra. Ou eu diria que, melhor ainda, a subversão dos gêneros cinematográficos foi a ordem da sessão. Logo de início A Guardiã de Nagoya, de Rafael de Jesus (que você já pode assistir on line aqui), nos leva a um universo fantástico através de um conto ao melhor estilo mítico que muitas vezes esteve e ainda está presente no cinema japonês. As escolhas pelo preto e branco e pelas cartelas de narração, bem como o formato da tela remetendo ao cinema mudo logo indicam o tom do filme, que além desses recursos faz uma ótima utilização de imagens de jornais em uma de suas sequências. Ao mesmo tempo, os códigos do tokusatsu, gênero televisivo típico do Japão e que é a marca das produções do realizador, como os combates e explosões, entre outros efeitos especiais, além da utilização de máscaras nas personagens, são colocados no filme de forma surpreendentemente orgânica, como se estivéssemos vendo um filhote de episódio de Jiraya com um filme japonês da era do cinema mudo. Em Hibisco Rosa, de Sávio Mariano, duas moças estão entretidas em seus afazeres prosaicos em um cenário bucólico. Ao fundo uma floresta, tradicionalmente lugar de mistérios onde habita o desconhecido. O filme segue um modelo perceptível no terror/suspense contemporâneo: narrativa minimalista, composta por uma tensão crescente acompanhada normalmente de uma trilha que remete a uma angústia. Angústia talvez seja também a melhor palavra para descrever Apnea, de Hugo Damasceno, onde um homem se encontra preso em sua própria mente/consciência numa (não)narrativa cíclica infinita, como se o filme pudesse rodar em looping eternamente. Impossível não pensar em Sandman, obra prima em quadrinhos de Neil Gaiman.
Miçanga Negra de Thiago Sena |
Miçanga Negra, de Thiago Sena, parece nos transportar para uma história que já está no fim. O espectador é convidado a imaginar tudo que aconteceu entre aqueles dois personagens, a heroína (?) silenciosa e seu antagonista falastrão que nos entrega em seu diálogo apenas algumas pistas da história pregressa entre os dois. Aqui os códigos do western estão presentes, mas o mítico e o alegórico, presentes nos três curtas anteriores, são introduzidos de forma inesperada, mas formidável em seu desfecho. Por outro lado, em Sem Dizer Adeus, de César Augusto, o tom passa claramente a um realismo. Assim como na história de Miçanga Negra, só passamos a ter algumas pistas do que aconteceu anteriormente entre os personagens e a natureza de seu vínculo através da fala de um deles, uma fala que ao mesmo tempo evoca emoção também remete a uma despedida. Porém, diferente do filme de Thiago Sena, a relação entre os dois não é de antagonismo, mas sim de um pai que a muito não via a filha e precisou fazer um sacrifício para que o encontro fosse possível. O grande mérito do filme certamente é ter conseguido muito bem comprimir esta rica narrativa em pouco mais de três minutos sem que o clima necessário fosse prejudicado e ainda por cima ao final nos entregar uma revelação surpreendente. Seguindo o tom realista, o curta que fechou a sessão foi Estilhaço, de Alan Santos. O filme fala sobre um rapaz, Eduardo/Cachimbo que é obrigado a matar seu amigo de infância, Bruno, após este denunciar um traficante para o qual o primeiro trabalha. Diferente dos dois curtas anteriores o diretor opta pela utilização de flashbacks para que entendamos a relação entre os dois e o porquê da dificuldade de Eduardo de cumprir sua missão, o que poderia ser um risco, ao tornar a narrativa muito didática. No entanto a utilização do recurso acontece de forma razoável, amparada por uma boa montagem, encerrando bem a sessão.
Pedaço de Mim de Fabrício Alves |
Natasha de Sávio Mariano |
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