Mostra Percursos – 2º Dia (04/11/2016)

Continuando com as sessões do segundo dia da Mostra Percursos (você pode conferir os textos do primeiro dia aqui), temos as sessões A vida secreta das palavras, Álbum de Família, Outros Percursos (UNISUL).

4ª sessão:
A vida Secreta das Palavras
Por Mylla Fox

 

A Vida Secreta das Palavras que dá nome a 4º sessão da Mostra Percursos é uma síntese do bom trabalho da curadoria, aqui se fizermos a associação de que palavra é linguagem e linguagem é, também, cinema, podemos perceber a coerência dos filmes que travam um diálogo do cinema com as outras artes como dança, performance, vídeo-clipe. É uma das sessões mais interessantes, por justamente tratar do apreço a linguagem e de experimentar novas formas de fazer cinema.
(há) mar, de Luca Salri
(Há) mar, de Luca Salri, abre a programação do segundo dia da Mostra Percursos. Um curta nascido no mar da montagem, com ondas gigantes de referências e correntes de contribuições de transeuntes de um laboratório de informática e edição. Imagens de arquivo pessoal da família do realizador na praia se misturam, se emparelham e se sobressarem aos recortes de filmes clássicos de todos os gêneros e subgêneros agrupados pela temática do mar, por baixo da voz de um narrador contemplativo, mas indispensável que nos transportava para nossas próprias memórias afetivas junto ao mar e aos amores que compartilharam dele conosco. Uma das belezas do filme, embora de maneira não intencional (palavras assumidas pelo realizador),  é o dialogo com um cinema contemporâneo, em especial com o de Abbas Kiarostami, a quem o filme é oferecido nos créditos. É, sem dúvida, uma bela homenagem, ao diretor iraniano que nos deixou em julho deste ano. A trilha sonora marcante já é comum às obras de Luca Salri (realizador também de ‘Biketape’ Pai e Filho), o resultado é um filme que nos deixa nostálgicos de memórias que sequer vivemos. Os filmes de Luca, apesar de não se assumirem vídeo-cartas, sempre são cartas de amor, aos filhos, ao cinema, à música, à vida. Sempre um bom jeito de começar uma mostra.
Seguindo uma linha de raciocínio parecida, Quase Ninguém Sabe, de Jaime Tadeu Monroe consegue, com toda simplicidade de um filme composto por fotos de arquivo de infância e narração do realizador, fazer com que o público se afeiçoe a esse personagem que nos é apresentado e que tão displicentemente vai confiando detalhes de sua vida e criação enquanto cristão e realizador, não necessariamente nessa ordem, a câmera do computador em seu último plano frontal, cara-a-cara com o espectador, transforma tudo num grande confessionário em que somos todos cúmplices das meia-verdades e dos pecados de Jaime
 
Kid-A, música e disco da banda Radiohead, ganham um vídeo-clipe de animação nas mãos de Natália Maia. O material usado são as artes de Stanley Donwood, colaborador do Radiohead e criador da capa do disco, que, obviamente, também aparece no filme. O resultado é soturno e ao mesmo tempo, bizarro no melhor sentido e inovador. Paisagens imponentes e assustadores ganham vida, ruídos, texturas, estranhamento. Um clipe com montagem à altura da sonoridade do grupo. O filme Sob o Peso dos Meus Amores é decerto um dos que mais chama atenção nessa sessão por ser uma vídeo-dança. Assumidamente uma homenagem à obra do artista plástico Leonilson, a performance é o corpo em meio a projeções, criando, em um primeiro momento um distanciamento do corpo com a paisagem, para logo, confundir-se com a sombra e com plano de fundo, transformando-se na própria paisagem, assim como as palavras que se sobrepõem também, no texto declamado. A força do trabalho está justamente em seu minimalismo, nos movimentos, nas cores, na voz que se repete até que a mensagem se torne muitas diferentes. A repetição também está presente no trabalho experimental de Os Objetos e as Coisas, o narrador define e redefine o que antes se pensava que era certo, um jogo de texturas e de exposição de coisas que são uma coisa vistas em conjunto e outras, se separadas. Um filme sobre nossa relação de memória e de significado com os objetos e com as coisas e de como geralmente entendemos tudo como uma coisa só.
Nada no Lugar Certo, de Wilker Paiva, Inácio Costa e Simone Santos
Fechando a sessão temos Nada no Lugar Certo, o curta com que mais me senti conectada, talvez por ser o mais melancólico de todos. Eu me vi no narrador, nas imagens multiplicadas, no preto e no branco das cenas, no discurso derrotista e pessimista, na reflexão dos caminhos da vida. Talvez um filme mais sincero do que as pessoas costumam ser com elas mesmas, que diz verdades que não gostamos de pensar, ou de expressar, verdades que, por serem verdades, todo mundo sabe, mas que acabam suprimidas pelas repetições sem sentido do cotidiano. Uma pena o filme não ter sido debatido.

 

5ª sessão:
Álbum de Família

Por Thiago Henrique Sena

 

Memórias de Areia, de Luana Sampaio

 

Saramago escreveu uma vez: “fisicamente, habitamos um espaço, mas, sentimentalmente, somos habitados por uma memória”, esse aforismo poderia resumir (ainda que muito simples) bem os filmes relacionados para essa sessão chamada Álbum de Família. Percebe-se, acima de tudo, um cuidado e sensibilidade da curadoria da mostra ao selecionar filmes que, mesmo diferentes, mantém um diálogo entre si.
Memórias de areia, de Luana Sampaio é um convite a revisitarmos o passado, filme feito de recortes de VHS que a realizadora tinha de sua infância, somos sugados aos anos 90, seja pela passagem de ano, aniversários ou festas em família. O recurso da memória desse filme é feito de maneira muito intensa e subjetiva, imaginamos o quanto a diretora deve ter se emocionado ao fazer o recorte das imagens, a pensar, sobretudo, como o filme iria se construir. Aliás, a montagem é o destaque desse filme, as escolhas e edição constroem um excelente trabalho que carrega a emoção filme. É uma obra carregada de afeto e saudosismo que termina com uma dedicatória e a bela canção de Fagner, Canteiros “quando penso em você, fecho os olhos de saudades/ Tenho tido muita coisa, menos a felicidade”, Memórias de areia é poderoso e emocionante.

Palíndromo, filme da Tay Moreira trata de uma memória, mas não da realizadora, e sim das pessoas do bairro Pici, o momento em que eles chegaram lá e como se dava essa relação com a Universidade do lado, a linguagem, quase um poema, intercala fotos e entrevista, a voz da entrevista vaza para as fotos, gerando assim um belo sincretismo de sensações que compõe a obra. Angel, de Jaime Monroe é um filme homenagem, é um filme puro com uma linguagem simples e eficiente, um narrador, o próprio realizador, declara seu amor pela sua irmã, beirando a estética da vídeo-carta, o filme é uma bela mensagem de amor fraterno.
Angel, de Jaime Monroe

 

Seguindo na mesma linguagem de utilizar VHS como material de imagem, temos o curta Iracema, de Yuri Peixoto, a semelhança com curta anterior só dura até o momento em que a VHS corta e temos um plano já feito de maneira digital, essa transição entre o vídeo e o digital é um recurso interessante, temos a interação do realizador com sua avó nos dias atuais, assumidamente um filme-carta, o curta é um bom exemplo dessa estética, é quase uma homenagem, uma carta a um passado que ainda é e se faz presente na vida do diretor. Ainda do mesmo realizador, o filme Minha mãe em 2007 é também um filme-carta, mas dessa vez sem o recurso da imagem de arquivo já era digital, produzida pelo próprio diretor e perdida em um pen drive, o reencontro desse arquivo que nem era lembrando, com duração de 12 segundos, e aqui esticado por mais de dois minutos, é um filme que também homenageia uma pessoa, a mãe do realizador, mas também é um filme que nos leva a um pensamento de cinema, como o tamanho de um filme, de um frame e o quanto um frame é importante para a construção da obra cinematográfica.
039, de Lívia Soares apresenta uma proposta que tem semelhança e diferença com os filmes anteriores, ele também dialoga com a memória, mas no caso se aproxima de um filme-diário, o título refere-se ao 39º dia do ano e que a realizadora se propôs a realizar um vídeo por dia. Os vídeos se aproximam de fragmentos de memórias, podendo trazer coisas alegres e coisas tristes, 039 narra um simples encontro quase na escada entre duas melhores amigas, sua filha e marido e o caminhar até o carro. É um filme simples, mas que ressalta as belezas do cotidiano e mantém um diálogo com um cinema contemporâneo de qualidade que se interessa justamente em achar beleza nos atos comum do dia a dia.

Particularmente essa sessão foi uma das mais emocionantes que eu vi na Mostra Percursos, ela incita um pensamento sobre memória seja ela de um espaço como um bairro ou uma casa, seja de um familiar irmão, pai, avó e avó, tanto os que estão vivos quanto os que já partiram, seja pela beleza do cotidiano que nem sempre temos o prazer de contemplar e desfrutar.

6ª sessão:

 

Outros Percursos (UNISUL)
Por Mateus Bandeira

Crisálida, de Ligia Marciel Ferraz
Talvez, de todas as sessões que ocorrem durante a Mostra Percursos, a mais instigante seja a OUTROS PERCURSOS, onde uma outra universidade, à convite da própria organização da mostra, exibe alguns filmes que simbolizam e apresentam sua produção, também contando com um debate com um representante da universidade convidada. Não só por ser a sessão que ocorre desde de o primeiro ano da mostra, mas por ser um espaço onde podemos traçar paralelos entre as produções do curso de Cinema da Universidade Federal do Ceará com as de outros lugares. Um espaço importante para se discutir o lugar do cinema universitário em uma escala maior.
Neste ano, a universidade convidada foi a UNISUL, de Santa Catarina. Muito bem representada por Ramayana Lira, os filmes apresentados pulsam o desejo de fazer cinema pelo fazer. Há sim uma preocupação estética (principalmente quando pensamos em fotografia), mas é possível perceber que a vontade de fazer um filme falou muito mais alto em todos os filmes da sessão, do que aspectos singulares de cada filme.
A cidade super-8, de José Manuel Sapino
É bonito quando vemos filmes, que discutem, mesmo que de maneiras completamente diferentes, o dispositivo, o espaço de um estúdio, e a própria plataforma audiovisual. Filmes que permeiam e discutem até o processo de desenvolver filmes universitários, cheios de ironia. Mais tocante ainda é ver filmes que mostram todo o sensível do que é o jovem universitário de audiovisual, que é ter a cabeça cheia de ideias, e procurar maneiras, mesmo que difíceis, de coloca-las no papel. Durante toda a sessão, percorremos por diversos trabalhos, que se aproximam mais de um lugar de cinema de gênero clássico, e menos de uma preocupação em pensar o filme como algo experimental-artístico — lugar que domina uma boa parcela da produção audiovisual universitária no Brasil.

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Mylla Fox

Estudante de Cinema quase formada em Letras – Alemão. Fica feliz quando escuta música triste. Se emociona quando fala de The Last of Us e enlouquece de prazer quando o assunto é Harry Potter ou Adventure Time. Apreciadora dos bons clássicos da Sessão da Tarde e do Cinema em Casa. Uma Goonie genuína.

Mateus Bandeira
Estudante de cinema geminiano com ascendente em escorpião. Conhece muito de tudo, faz de tudo um pouco. Fã de carteirinha de Xavier Dolan, London Spy e Steven Universe. Leitor inveterado, Ilustra, escreve e se atrasa para tudo.


Thiago Henrique Sena
Estudante de cinema formado em Letras. Apaixonado por literatura, poesia, pintura, filmes do Bruce Lee, do Tarantino e do Clint Eastwood. Fã nº1 e consumidor excessivo de Coca-Cola, bacon e planos-sequência. Exímio conhecedor de pastéis.